Voltar O stress oxidativo e os sintomas vestibulares


Patrícia Mauro Mano

O processo natural de oxidação nada mais é do que reação entre o oxigênio obtido na respiração celular e outros elementos químicos presentes no organismo. O processo leva à perda de elétrons.1 Radicais livres, ou espécies reativas de oxigênio (ROS), são as moléculas que recebem esses elétrons livres após a reação química para formação de energia. A produção de radicais livres, não apenas é fundamental para a geração de energia, como também é essencial para o bom funcionamento do organismo.

As reações de oxidação são normalmente controladas pelo nosso corpo, que mantém o equilíbrio salutar entre a produção de radicais livres e a de compostos antioxidantes. Os antioxidantes impedem que a célula e, consequentemente, o organismo como um todo, sofra a ação maléfica das espécies reativas de oxigênio. Essas espéciesinduzem à lesão celular e, muitas vezes, à apoptose.2

Diversos motivos podem promover um desbalanço nessa equação, com consequente aumento da produção de radicais livres e menor produção de antioxidantes. Má alimentação com desnutrição celular, exposição constante a poluentes e metais pesados e a contaminação de pesticidas nos alimentos e na água são algumas delas. Quando a produção de radicais livres pelo corpo supera a produção de antioxidantes, ocorre o que chamamos de estresse oxidativo.1

O estresse oxidativo não é necessariamente maléfico ao nosso organismo. Situações como produção de massa muscular em praticantes de atividade física ou mesmo a ativação do nosso sistema imunológico necessitam de estresse oxidativo para acontecer. Consideramos o estresse oxidativo maléfico quando o seu descontrole resulta em danos aos sistemas biológicos. Assim também acontece nas disfunções do sistema vestibular.

Por meio de pesquisa no banco de dados PubMed, identificamos diversos artigos científicos que demonstram a influência do estresse oxidativo nos diferentes diagnósticos otoneurológicos.

Ohara et al1, em 2014, demonstrou que pacientes com tontura, com diferentes diagnósticos, apresentam maior produção sérica de espécies reativas de oxigênio (ROS) e menor atividade do sistema parassimpático. Tais achados desaparecem quando o sintoma é controlado.

A Tontura Postural Perceptual Persistente (TPPP), antiga tontura crônica subjetiva (TCS), é uma condição inicialmente descrita por Staab3. Sua descrição explica condições patológicas específicas de tontura persistente, não vertiginosa, que geralmente pioram com a estimulação em que possuem estimulação visual intensa ou pistas visuais conflitantes.

Estudos anteriores tentaram revelar uma causa fisiopatológica precisa para a TPPP. No entanto, a doença geralmente é causada por interações entre elementos otoneurológicos e comportamentais, dificultando seu diagnóstico para grande parte dos médicos.4 Ainda sim, a relação entre TPPP e condições psiquiátricas, como depressão, é bem estabelecidada e documentada.3

Estudos recentes do tipo metanálise correlacionam condições psiquiátricas, como a depressão, com o aumento do estresse oxidativo, ativação da micróglia e a neuroinflamaçao5. Sendo assim, é possível fazer a ponte entre a TPPP e tais achados.

Fang et al4 verificou, em um artigo publicado em 2020, o status dos componentes antioxidantes endógenos, citocinas pró-inflamatórias e a dosagem de hormônios do estresse e de serotonina em pacientes com diagnóstico de TPPP. Esses pacientes foram comparados com um grupo controle, para encontrar possíveis marcadores que auxiliassem no diagnóstico desta condição. Os autores observaram que a atividade de enzimas antioxidantes estava significativamente diminuída nesses pacientes, enquanto citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e IFN-γ, encontravam-se significativamente aumentadas no grupo com diagnóstico de TPPP. Os resultados demostraram ainda elevação significativa de cortisol e adrenalina, bem como redução da serotonina no grupo com TPPP em comparação ao grupo saudável. Com base nos dados, Fang et al.4 concluiu que o estresse oxidativo está envolvido na TPPP.

A doença de Ménière (DM) foi descrita pela primeira vez por Prosper Ménière em 1861. Trata-se de uma síndrome clínica caracterizada por episódios de vertigem espontâneos que duram minutos a horas, geralmente associados à perda auditiva sensorioneural flutuante, em frequências graves, associada ou não a zumbido e sensação de plenitude auditiva, em uma ou ambas as orelhas.6

A fisiopatologia da DM está associada ao acúmulo de endolinfa no ducto coclear e nos órgãos vestibulares. Embora um terço dos casos de DM possa apresentar disfunção do sistema imunológico, a resposta imune em pacientes com DM tem sido pouco investigada.6

Estados alérgicos são estados pró inflamatórios. A ligação entre alergia e DM foi descrita pela primeira vez por Duke em 19237. Em 2000, Derebery8 conduziu estudos epidemiológicos em pacientes com DM e observou que 58% dos pacientes possuíam histórico de alergia e 41% apresentaram teste cutâneo positivo.

Tanto os alérgenos inalatórios quanto alimentares têm sido associados à DM. Em um estudo não controlado, Topuz et al9 mostrou que o teste cutâneo pode induzir sintomas auditivos, como zumbido ou sensação de plenitude auditiva em 62% dos pacientes. Nesses casos, 77% dos indivíduos apresentaram aumento da pressão endolinfática medida por eletrococleografia. Os resultados do estudo sugerem que certos alérgenos podem induzir à hidropisia endolinfática.

Conforme constatado por Frejo et al.,6 quando comparados aos controles, os pacientes com DM apresentaram expressão maior de citocinas pró inflamatórias como IL-1β, TNF-α e IL-6. Em indivíduos saudáveis, os níveis de IL-1 β geralmente são indetectáveis. Nenhum dos pacientes que apresentavam citocinas pró-inflamatórias elevadas possuía infecção aguda ou outra condição autoimune que pudesse explicar essa descoberta. O autor sugere que este subconjunto de pacientes com DM e altos níveis basais de citocinas e autoanticorpos negativos pode ser considerado como portador de uma condição auto inflamatória que envolve a orelha interna.  As características da doença auto inflamatória da orelha interna podem incluir uma resposta imune inata mediada por monócitos, altos níveis de IL-1β e títulos baixos/ autoanticorpos inespecíficos.6

O estudo em questão demonstrou que alguns extratos alergênicos induzem uma resposta imune pró-inflamatória na maioria dos pacientes com DM, envolvendo TNF-α, o que não é observado nos controles. Esse mecanismo poderia iniciar ou exacerbar a resposta inflamatória no saco endolinfático ou no ligamento espiral e desencadear a hidropisia endolinfática.6 Estudos anteriores também estabeleceram relação entre extratos de mofo e citocinas pró-inflamatórias na doença autoimune da orelha interna.10

Frejo et al.,6 em seu estudo, também referiu que pacientes que utilizaram imunoterapia apresentaram melhora na duração e frequência dos episódios de vertigem em comparação com os controles, e que, essa poderia ser uma alternativa de tratamento para alguns pacientes com DM.

A enxaqueca Vestibular (EV), assim como a DM, também é uma síndrome otoneurológica episódica definida por um conjunto de sintomas como vertigem, zumbido e plenitude auditiva. Tanto a EV quanto a DM podem apresentar sobreposição de sintomas e não há um marcador biológico conhecido para distingui-las. A principal diferença nos critérios de diagnóstico entre essas duas condições são os sintomas auditivos, que são necessários para o diagnóstico de DM definitiva.

Ainda sim, está relatado que pacientes com EV podem apresentar zumbido durante as crises de vertigem, e ainda que 25% dos pacientes com enxaqueca sofrem de perda auditiva. Cabe ainda lembrar que é observada uma alta prevalência de enxaqueca em pacientes com DM, sugerindo uma ligação fisiopatológica entre essas doenças.11

Flook et al,12 em 2019, se propôs a investigar o perfil de citocinas pró-inflamatórias nos pacientes com diagnóstico de DM e EV, com o objetivo de distinguir laboratorialmente essas patologias. Como já previamente descrito por Ohara1, Flook12 também observou que os controles sempre têm níveis de citocinas mais baixos do que os pacientes. Isso poderia indicar que os pacientes com MD e VM apresentam uma resposta pró-inflamatória sistêmica, justificando a resposta de alguns pacientes a medicamentos anti-inflamatórios. Por outro lado, esse aumento na produção de citocinas também poderia transparecer atividades que estão ocorrendo no interior da orelha interna. Atividades resultantes de uma resposta inflamatória prolongada que pode acarretar danos a esta estrutura por meio da ruptura do seu epitélio. Apesar de apresentar uma coorte de pacientes limitada, o autor conclui que pacientes com MD e VM possuem uma assinatura pró-inflamatória diferente e, que um painel de citocinas poderia ser usado como marcadores biológicos para o diagnóstico diferencial entre VM e MD.12

A vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) é considerada a disfunção vestibular periférica mais comum. É caracterizada por episódios recorrentes de vertigem com duração de segundos desencadeados por movimentos da cabeça.13 O mecanismo fisiopatológico subjacente à VPPB está relacionado à presença de detritos/otólitos flutuantes no canal semicircular (canalolitíase) ou aderidos à cúpula (cupulolitíase). Acredita-se que esses otólitos se acumulem após desprendimento do neuroepitélio da mácula utricular após degeneração da estrutura, conforme aspecto observado em microscopia eletrônica. Qualquer circunstância que promova a degeneração deste epitélio parece ser capaz de causar a VPPB.14

A VPPB é considerada idiopática em cerca de 80% dos casos.13 Ainda que se aceite que o motivo do sintoma são os otólitos soltos fora de seu lugar, e que a melhora sintomática somente ocorra por meio das manobras de reposição, a pergunta que não pode deixar de ser feita é: o que gerou um processo de degeneração do epitélio macular a ponto dessas partículas se desprenderem?

Em uma revisão sistemática, Yetiser14 identificou alguns possíveis fatores associados à ocorrência de VPPB, como envelhecimento, enxaqueca, doença de Ménière, infecção, insuficiência de vitamina D, hiperglicemia e doenças autoimunes.14

Como já discutido anteriormente, o ponto em comum entre todas essas condições é o estresse oxidativo. O aumento descontrolado da formação de radicais livres causa danos endoteliais, sofrimento do neuroepitélio macular e consequente ativação de vias de sinalização apoptóticas.  O desprendimento dos otólitos ocorre devido à fragilidade da superfície macular.13

Mesmo com toda a evidência que ligue os sintomas vestibulares ao estresse oxidativo, muitos estudos ainda serão necessários para nos orientar na melhor condução desses casos. Promover a limpeza ou retirada de radicais livres de nosso organismo, por meio do uso de antioxidantes exógenos, apresenta resultados limitados em comparação ao combate de sua formação, promovendo a produção de antioxidantes endógenos.

Assim, a avaliação preventiva da nutrição celular, o cuidado com o descanso e a qualidade de sono, bem como o estímulo a prática frequente de atividade física apresentam resultados promissores. Esses resultados são visíveis não apenas no controle de doenças instaladas, mas também na melhora da qualidade de vida de nossos pacientes. Esse é um campo vasto, que abre portas para uma medicina integrativa,  que aborde o paciente como um todo.

Referências:

  1. Ohara K, Inoue Y, Sumi Y, Morikawa M, Matsuda S, Okamoto K, Tanaka H. Oxidative stress and heart rate variability in patients with vertigo. Acute Med Surg. 2014 Dec 11;2(3):163-168. doi: 10.1002/ams2.97. PMID: 29123715; PMCID: PMC5667254
  1. Şahin E, Deveci İ, Dinç ME, Özker BY, Biçer C, Erel Ö. Oxidative Status in Patients with Benign Paroxysmal Positional Vertigo. J Int Adv Otol. 2018 Aug;14(2):299-303. doi: 10.5152/iao.2018.4756. PMID: 30256204; PMCID: PMC6354457.
  1. Staab JP, Ruckenstein MJ. Which comes first? Psychogenic dizziness versus otogenic anxiety. Laryngoscope. 2003 Oct;113(10):1714-8. doi: 10.1097/00005537-200310000-00010. PMID: 14520095.
  1. Fang Z, Huang K, Gil CH, Jeong JW, Yoo HR, Kim HG. Biomarkers of Oxidative Stress and Endogenous Antioxidants for Patients with Chronic Subjective Dizziness. Sci Rep. 2020 Jan 30;10(1):1478. doi: 10.1038/s41598-020-58218-w. PMID: 32001745; PMCID: PMC6992639.
  1. Enache D, Pariante CM, Mondelli V. Markers of central inflammation in major depressive disorder: A systematic review and meta-analysis of studies examining cerebrospinal fluid, positron emission tomography and post-mortem brain tissue. Brain Behav Immun. 2019 Oct;81:24-40. doi: 10.1016/j.bbi.2019.06.015. Epub 2019 Jun 10. PMID: 31195092.
  1. Frejo L, Gallego-Martinez A, Requena T, Martin-Sanz E, Amor-Dorado JC, Soto-Varela A, Santos-Perez S, Espinosa-Sanchez JM, Batuecas-Caletrio A, Aran I, Fraile J, Rossi-Izquierdo M,  Lopez-Escamez JA. Proinflammatory cytokines and response to molds in mononuclear cells of patients with Meniere disease. Sci Rep. 2018 Apr 13;8(1):5974. doi: 10.1038/s41598-018-23911-4. PMID: 29654306; PMCID: PMC5899176.
  1. Duke, W. Ménière’s syndrome caused by allergy. Journal of the American Medical Association 81, 2179–2181, https://doi. org/10.1001/jama.1923.02650260021006 (1923).
  1. Derebery, M. J. Allergic management of Meniere’s disease: an outcome study. Otolaryngology–head and neck surgery: ofcial journal of American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery 122, 174–182 (2000).
  1. Topuz, B., Ogmen, G., Ardic, F. N. & Kara, C. O. Provocation of endolymphatic hydrops with a prick test in Meniere’s disease. Advances in therapy 24, 819–825 (2007).
  1. Pathak, S., Hatam, L. J., Bonagura, V. & Vambutas, A. Innate immune recognition of molds and homology to the inner ear protein, cochlin, in patients with autoimmune inner ear disease. Journal of clinical immunology 33, 1204–1215, https://doi.org/10.1007/ s10875-013-9926-x (2013).
  1. Lopez-Escamez JA, Dlugaiczyk J, Jacobs J, Lempert T, Teggi R, von Brevern M, et al. Accompanying symptoms overlap during attacks in Menière’s disease and vestibular migraine. Front Neurol. (2014) 5:1–5. doi: 10.3389/fneur.2014.00265
  1. Flook M, Frejo L, Gallego-Martinez A, Martin-Sanz E, Rossi-Izquierdo M, Amor-Dorado JC, Soto-Varela A, Santos-Perez S, Batuecas-Caletrio A, Espinosa-Sanchez JM, Pérez-Carpena P, Martinez-Martinez M, Aran I, Lopez-Escamez JA. Differential Proinflammatory Signature in Vestibular Migraine and Meniere Disease. Front Immunol. 2019 Jun 4;10:1229. doi: 10.3389/fimmu.2019.01229. PMID: 31214186; PMCID: PMC6558181.
  1. Libonati GA, Leone A, Martellucci S, Gallo A, Albera R, Lucisano S, Bavazzano M, Chiarella G, Viola P, Galletti F, Freni F, Ciodaro F, Marcelli V, Tortoriello G, di Santillo LS, Picciotti PM, Galli J, Vitale S, Quaranta N, Cavallaro G, Gamba P, Teggi R, Cangiano I, Faralli M, Barboni A, Messina A, Graziano G. Prevention of Recurrent Benign Paroxysmal Positional Vertigo: The Role of Combined Supplementation with Vitamin D and Antioxidants. Audiol Res. 2022 Aug 22;12(4):445-456. doi: 10.3390/audiolres12040045. PMID: 36004953; PMCID: PMC9404917.
  1. Yetiser S. Review of the pathology underlying benign paroxysmal positional vertigo. J Int Med Res. 2020 Apr;48(4):300060519892370. doi: 10.1177/0300060519892370. Epub 2019 Dec 29. PMID: 31885315; PMCID: PMC7605005.


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