Dr. Rogério Castro Borges de Carvalho
Bruna Gabriele Sartori Rodrigues dos Santos
Bruna Raísa Jennings da Silveira Soares
RELATO DE CASO
HISTÓRICO
Paciente de 49 anos, sexo feminino, queixando-se de vertigem posicional (ao deitar, levantar e rodar a cabeça para a esquerda quando em decúbito dorsal) com duração de segundos. Com início há cinco anos, apresenta em média um episódio ao ano, em crises que variam de uma semana a meses de duração. Concomitantemente, relata tontura do tipo desequilíbrio, que ocorre apenas ao movimentar a cabeça rapidamente após as crises descritas. Refere último episódio há alguns meses, com melhora após manobras de reposicionamento.
Nega sintomatologia neurovegetativa ou auditiva, cefaleia, cervicalgia ou episódios prévios de tontura ao quadro descrito acima.
Antecedentes Pessoais: HAS (em uso de Atenolol 25 mg ao dia). Menopausa aos 38 anos.
CONDUÇÃO DO CASO
nistagmo vertical superior com componente rotatório anti-horário. Latente, paroxístico, fatigável e sintomático (Vídeo 1). Diagnóstico sugestivo de canalitíase de canal semicircular posterior direito.
Indicada manobra de Epley. Paciente se queixou de tontura na terceira posição da manobra (nariz voltado para o solo), sem nistagmos.
EVOLUÇÃO
Paciente permaneceu assintomática até o retorno após 14 dias. Refeita a manobra de Dix Hallpike, que foi negativa .
Solicitados audiometria, VEMP cervical E VEMP ocular.
Os resultados dos testes podem ser observados nas figuras abaixo.
FIGURA 1: Audiometria demonstra rebaixamento dos limiares em 8000 Hz em ambas orelhas.
FIGURA 2: VEMP cervical (cVEMP) dentro dos limites da normalidade.
FIGURA 3: VEMP ocular (oVEMP) apresenta assimetria interaural da amplitude das ondas.
DISCUSSÃO
A Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB) é a síndrome mais comum entre as vertigens de origem periférica. É caracterizada por episódios recorrentes e curtos de vertigem, acompanhados de nistagmo posicional e desencadeados pela posição da cabeça em relação à gravidade. A etiologia nem sempre é identificada, mas frequentemente a VPPB está associada a um processo degenerativo das máculas do utrículo e sáculo de onde ocorre o desprendimento das otocônias. As partículas liberadas migram para os canais semicirculares. A busca da etiologia pode surpreender diagnósticos como problemas vasculares, metabólicos, traumáticcos ou até tumorais. Acredita-se que a patogênese esteja relacionada ao processo degenerativo da mácula sacular e/ou utricular atribuído a esses fatores causais.
A investigação tem início no diagnóstico diferencial entre lesões do labirinto posterior e/ou em labirinto anterior, nos quadros de tontura de origem periférica. Para tanto, a audiometria é exame de simples realização.
Na suspeita de lesão de máculas vestibulares, o Potencial Evocado Miogênico Vestibular (VEMP) tem papel esclarecedor. O VEMP é um potencial evocado a partir de respostas musculares a um estímulo de curta duração. O estímulo pode ter origem sonora, galvânica ou vibratória. Os potenciais miogênicos utilizados para diagnóstico labirintico podem ser divididos em cervicais (cVEMP) e oculares (oVEMP), de acordo com os músculos efetores e áreas estimuladas. O VEMP avalia a presença de alterações degenerativas maculares a predisposição à recorrência da doença.
O cVEMP é detectado no músculo esternocleidomastoideo e traduz a inibição do reflexo vestíbulo-cólico ipsilateral. Reflete a situação funcional do sáculo e do nervo vestibular inferior.
O oVEMP é captado no músculo oblíquo inferior e traduz a ativação do reflexo vestíbulo-ocular contralateral. Avalia a atividade do utrículo e do nervo vestibular superior.
Uma metanálise realizada no ano de 2019 avaliou a latência e amplitude das ondas p13 e n23 no cVEMP de indivíduos saudáveis e diagnosticados com VPPB. Observou-se aumento de latência das ondas p13 na orelha acometida pela VPPB, além da redução da amplitude de ambas as ondas nesses pacientes em relação ao grupo controle. Essa alteração sugere degeneração neural bilateral, achado que indica lesão secular (4). O oVEMP mostrou aumento de latência n1 e diminuição significativa de amplitude das ondas, com respostas alteradas bilateralmente em 75% dos pacientes avaliados. Resultados de aumento de latência e diminuição de amplitude das ondas sugerem disfunção e degeneração utricular. Outros estudos também mostraram ausência de respostas no cVEMP em pacientes com VPPB, indicando degeneração macular extensa (1).
Alterações degenerativas otolíticas relacionadas à idade e osteoporose podem ser responsáveis pela VPPB idiopática, com padrões de respostas que reforçam essa hipótese. O aumento da latência da orelha acometida pela VPPB (1) indica atraso na resposta das máculas e mostra um padrão condizente com hipofunção. Há relação direta entre a degeneração e o consequente desprendimento de otocônias, com posterior migração para o lúmen endolinfático dos canais semicirculares. A migração de otocônias ocorre, em sua quase totalidade, da mácula utricular, por sua estreita relação anatômica com os canais semicirculares (1), embora o processo degenerativo acometa também a mácula sacular. Portanto, são comuns as alterações no cVEMP e no oVEMP.
Em nosso caso, o cVEMP apresenta respostas preservadas bilateralmente. No oVEMP notamos diminuição de amplitude do lado direito, lado acometido pelo quadro de VPPB. O resultado corrobora a hipótese de que há degeneração utricular. Em relação ao cVEMP com respostas preservadas, entendemos que a paciente apresenta um grau de degeneração pouco extenso.
O VEMP pode ser utilizado como uma medida prática e eficaz de avaliação funcional das máculas nos distúrbios vestibulares de origem periférica, em especial a VPPB (1). Observa-se, nos pacientes com VPPB idiopática, uma resposta alterada no exame em questão, especialmente o oVEMP. O fato ratifica a hipótese de que a degeneração da mácula do utrículo e do sáculo levam ao desprendimento das otocônias e aumentam a chance de VPPB.
Os exames citados nesse texto não têm como finalidade substituir o exame clínico e as manobras para o diagnóstico da VPPB. Sua função exclusiva é acrescentar dados auxiliares, que possam explicar a ocorrências da síndrome quando não há etiologia clara da doença. Seus achados demostram que esses pacientes apresentam risco aumentado de desenvolver VPPB repetidas, secundárias à degeneração do órgão macular.
Referências