Voltar Canalitíase de braço curto do canal semicircular lateral e outras manifestações atípicas de VPPB


Rogério C. Borges de CarvalhoMédico especialista em otorrinolaringologia, responsável pelo setor de Otoneurologia da Clínica Borges de Carvalho Otorrinos
Luis Gustavo ZamboniAluno de complementação especializada em Otoneurologia Clínica do HCFMUSP


Caso clínico

A.A.C.G, masculino, 67 anos

Paciente com história de vertigem ao deitar, abaixar a cabeça e ao virar para ambos os lados da cama, pior para o lado esquerdo há 20 dias. Refere zumbido no lado esquerdo de longa data, nega hipoacusia. Em uso de betahistina 32mg/dia sem melhora.

Antecedentes pessoais

Depressão em uso de amitriptilina.

Exame físico

Manobra head roll test: Nistagmo geotrópico para ambas as direções, mais intenso com orelha esquerda para baixo.

Conduta

Realizada manobra de Gufoni para canalitíase da orelha esquerda.  Head roll test repetido e negativado pós manobra.

Seguimento

O paciente retornou após uma semana e repetido o head roll test, mostrou-se negativo.

Após 3 semanas da manobra, retorna com queixa de retorno da vertigem ao virar-se para o lado esquerdo quando deitado. Realizada nova manobra head roll test, observou-se nistagmo ageotrópico com a orelha esquerda para baixo (video) e ausente quando a orelha esquerda para cima.

Discussão

Béla Buki e col1 descreveram em 2014 o achado que pode ser traduzido como “canalitíase do braço curto do canal lateral” (horizontal canal short arm canalolithiasis).

Os debris otolíticos presentes no utrículo se deslocam em sentido à cupula do canal lateral ao rotacionar a cabeça para o lado afetado. A alteração da densidade da endolinfa próxima à cúpula do canal em sua face medial, provoca deslocamento em direção contrária ao cinocílio e provoca  um nistagmo horizontal ageotrópico (Figura 1).

Ao rotacionar a cabeça para o lado contrário, os debris retornam facilmente para o utrículo e o estímulo cessa. Assim, não há qualquer nistagmo nessas circunstancias.

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Figura 1: Presença de debris livres no utrículo que se deslocam para a crista do canal semicircular lateral em sua face medial.

Ilustração de Dr. Rogério C. Borges de Carvalho.2

 

MANOBRAS UTILIZADAS PARA CANALITÍASE DE CANAL LATERAL

Manobra de Gufoni

A manobra descrita em 19983 é indicada para pacientes com canalitíase do canal semicircular lateral. O paciente, sentado em uma maca, é deitado lateralmente para o lado não afetado, permanecendo nesta posição entre 2 e 3 minutos. O deslocamento corporal gera um deslocamento ampulífugo das otocônias. Em um segundo momento, a cabeça é rodada 450 para baixo e assim permanece por 2 a 3 minutos. A posição prolongada favorece a saída das otocônias e direção ao utrículo. O paciente é recolocado em posição sentada novamente, finalizando a manobra (Figura 2).

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Figura 2: Manobra de Gufoni para canalitíase da orelha esquerda4.

Confira o vídeo em:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/wp-content/uploads/2014/04/Video-3T.mp4?_=8 2

 

Manobra de Lempert

Em 1996 Lempert5 descreveu uma difundida manobra para reposicionamento de debris no canal semi circular lateral.

Também conhecida como barbecue roll manouver, consiste em rotações cefálicas subsequentes de 900 com intervalos 10 a 30 segundos a partir da orelha afetada para baixo. Ao final de 360º de giro, o paciente é reconduzido à a posição supina (Figura 2).

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Figura 2: Manobra de Lempert6.

 

OUTRAS MANIFESTAÇÕES ATÍPICAS DA VPPB1

 

1- Cupulolitíase do canal semicircular posterior

Sintomas similares à canalitíase, mais sintomáticos e duradouros com o lado afetado para baixo no teste de posicionamento de Dix Hallpike.

 

2- Cupulo e canalolitíase do canal semicircular superior

Litíase de difícil ocorrência devido à anatomia do canal semicircular superior. O diagnóstico é feito quando, na manobra de Dix-Hallpike para o lado afetado, ocorre nistagmo downbeat do olho ipsilateral e torsional do olho contralateral. A manobra indicada é a manobra de Yacovino.

Vide: http://otoneurologia.org.br/?p=615.

 

3- VPPB subjetiva e presença de nistagmo downbeat posicional do canal posterior

A VPPB subjetiva ocorre quando o paciente refere vertigem à manobra de Dix-Hallpike, porém sem nistagmo. Nessa variante, o paciente apresenta um nistagmo downbeat ao assumir a posição sentada partindo do Dix-Hallpike do lado afetado.

O fenômeno pode ser explicado pelo deslocamento de debris para o braço curto do canal posterior.  Teorias mais recentes propõem que os resíduos se encontram posicionados em locais mais altos do canal e, durante a manobra de Dix-Hallpike, se deslocam no sentido ampulífugo.

 

4- Migração entre os canais posterior-horizontal

Fenômeno bem conhecido às manobras de Epley e Semont, sendo a mais comum uma VPPB de canal posterior migrando para canal lateral.

 

5- Ipsimigração do canal horizontal

Uma canalitíase do braço curto pode migrar para o braço longo do mesmo canal horizontal durante a reposição, transformando o nistagmo ageotrópico em geotrópico. Essa variante pode decorrer ainda da conversão de cupulolitíase em canalitíase.

 

6- Nistagmos atípicos durante posicionamentos atípicos

O primeiro ocorre em pacientes sentados inclinados para frente que levantam a cabeça e deitam em posição supina. Provocam assim o afundamento de otocônias próximas à cúpula do canal lateral, gerando nistagmo horizontal.

O segundo ocorre quando pacientes com canalitíase do canal posterior deitados na posição supina são colocados em posição sentada, provocando um nistagmo downbeat transitório.

 

7- Diagnósticos diferenciais

Em todos os casos atípicos, deve-se descartar etiologias centrais. tumor da fossa posterior, degeneração cerebelar ou espinocerebelar, esclerose múltipla, malforção de Arnold-Chiari, intoxicação por lítio ou síndromes paraneoplásicas.

Até mesmo em uma simples canalitíase de canal posterior que não responde às manobras de reposicionamento deve ser descartada origem central.

Outros diagnósticos diferenciais envolvem migrânea vestibular, vertigem fóbica postural e tontura postural perceptual persistente.

 

8- Degeneração da otocônia sacular

Partindo do modelo do deslocamento de debris otolíticos a partir do utrículo para os canais semicirculares, esta teoria consiste na degeneração de otocônias do sáculo que migram para a cóclea por meio do ducto endolinfático que desemboca no ducto reuniens.

A concentração de cálcio na endolinfa da cóclea é muito baixa e esta migração provocaria lesão coclear aguda ou crônica.

Outra teoria é que a degeneração sacular ocorre antes da utricular e a migração de debris para a cóclea provocaria uma obstrução do ducto reuniens e, consequentemente, hidropsia endolinfática.

A degeneração sáculo-utricular também pode ser considerada para explicar a presbiacusia.

 

Referências

  1.  Büki B, Simon L, Garab S, Lundberg YW, Jünger H, Straumann D. Sitting-up vertigo and trunk retropulsion in patients with benign positional vertigo but without positional nystagmus. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2011 Jan;82(1):98-104.
  2.  http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/
  3.  Korres S, Riga MG, Xenellis J, et al. Treatment of the horizontal semicircular canal canalithiasis: pros and cons of the repositioning maneuvers in a clinical study and critical review of the literature. Otol Neurotol. 2011;32(8):1302-1308.
  4.  Fife TD, von Brevern M. Benign paroxysmal positional vertigo in the acute care setting. Neurol Clin 33, 2015, 601-617.
  5. Lempert T, Tiel-Wilck K. A positional maneuver for treatment of horizontal-canal benign positional vertigo. Laryngoscope. 1996 Apr;106(4):476-8.
  6.  Fife TD, Iverson DJ, Lempert T, Furman JM, Baloh RW, Tusa RJ, Hain TC, Herdman S, Morrow MJ, Gronseth GS; Quality Standards Subcommittee, American Academy of Neurology. Practice parameter: therapies for benign paroxysmal positional vertigo (an evidence-based review): report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology. 2008 May 27;70(22):2067-74.


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