Prof. Dr. Sérgio Albertino, Doutor em Neurologia e Professor Adjunto IV da Faculdade Fluminense de Medicina
A cada dia a queixa de quedas na população geral torna- se mais frequente nos consultórios dos otorrinolaringologistas, neurologistas e clínicos devido ao aumento da expectativa de vida na população do Brasil. Segundo estatística do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), até 2050 a população idosa chegará a níveis expressivos conforme o quadro abaixo.
Em 1960, com uma população de 70 milhões de habitantes, a porcentagem de idosos, com mais de 60 anos era de 4,7%. Em 2010, com uma população de 190 milhões de habitantes, chegou a 10,8%. Em 2020 o Brasil terá a 6a maior população de idosos no mundo em valores absolutos. Como podemos observar nos gráficos abaixo, a população de crianças de 0-14 anos de idade vem diminuindo gradativamente, enquanto a população acima de 60 anos vem aumentando.
Também é importante observar, como resposta às campanhas de vacinação, melhor qualidade de vida, saneamento básico, alimentação e educação, o número total de hospitalizações de vem decrescendo, mas a porcentagem de idosos dessas internações vem aumentando.
Quando falamos sobre queda em idosos, a primeira coisa em que devemos pensar é o “equilíbrio corporal”. Para um corpo estar em equilíbrio, é necessária a integração das informações visuais, labirínticas e proprioceptivas (sistema musculoesquelético, articular e tátil). Falando em propriocepção, especialmente no idoso, são fundamentais a atividade neuromuscular, a função ósteo-articular e a percepção tátil dos membros inferiores, principalmente da região plantar. Esses sistemas serão integrados e processados no sistema nervoso central sob a coordenação do cerebelo para uma elaborar uma resposta oculomotora – o reflexo vestíbulo-ocular (RVO) e as respostas posturais, que integram pelo reflexo vestíbulo-espinhal (RVE).
Para mantermos o corpo em equilíbrio, uma linha imaginária que parte do centro de massa ou centro de gravidade deve ser projetada entre os dois pés. O centro de massa está localizado na região abdominal inferiormente ao umbigo. O nosso corpo sofre a ação da gravidade e há uma força de reação do solo no sentido contrário a esta gravidade. Teremos o centro de gravidade na mesma linha do centro de pressão, chamamos a essa projeção de linha de gravidade. O alinhamento postural depende da projeção da linha de gravidade entre os pés. No idoso, devido à curvatura da coluna, a projeção anterior do tronco e da região cefálica migra para a porção anterior dos pés. Essa inclinação do tronco para frente dificulta o equilíbrio corporal, pois para manter a estabilidade, o idoso caminha com passos curtos, falta de movimentação dos membros superiores e rigidez, principalmente da coluna. Algumas vezes esse caminhar oscila lateralmente como um pêndulo, e o indivíduo perde a harmonia dos movimentos, predispondo à queda. Conceituamos a queda como a falta de capacidade para corrigir o deslocamento do corpo durante seu movimento no espaço.
O envelhecimento é um processo progressivo e irreversível, com alterações bioquímicas (tireoide, rim, metabolismo do açúcar e colesterol) e morfológicas (atrofia muscular, artroses, sarcopenia) que acarretam consequências funcionais. As consequências mais importantes são: a diminuição ou a inatividade física com comprometimento osteomuscular; diminuição da motivação para praticar atividades físicas; sentimento de inutilidade (baixa da autoestima); falta de atividade profissional; isolamento social levando a quadros de ansiedade e depressão. Observamos também, diminuição das funções sensoriais (visão, audição, olfato e tátil), respostas motoras menos eficazes devido à diminuição da velocidade da informação neural aferente e resposta eferente, com atraso nas respostas musculares, que comprometem a capacidade de retornar à postura normal na iminência de uma queda. A cognição comprometida em vários graus pode chegar a processos de demência, senilidade e doença de Alzheimer. Nos idosos há redução do volume total do cérebro com dilatação dos sulcos, sistema ventricular e lesões por microangiopatia observadas nos exames de neuroimagem. O conteúdo encefálico torna-se móvel durante as quedas condição que pode culminar com hematomas extra-durais.
QUEDA:
Conceituamos a queda como a situação em que a parte superior do corpo entre em contato com o piso ou a um nível abaixo da cintura. Essa situação deve ocorrer em circunstâncias que não sejam capazes de provocar a queda em uma pessoa com boa forma física. A queda pode ocorrer de modo súbito ou lentamente, quando o individuo tenta se segurar em pessoas ou objetos a sua volta de forma incontrolável. A queda no idoso pode ser o primeiro sinal de alerta para uma doença aguda ou em evolução que pode resultar em perda temporária do equilíbrio corporal. A queda acidental pode ocorrer em episodio único e decorrente de fatores extrínsecos (tropeços, pisos escorregadios). No entanto, as quedas recorrentes são multifatoriais e são ocasionadas principalmente por fatores intrínsecos.
As quedas têm uma relação causal direta com 12% de todos os óbitos na população geriátrica. É responsável por 70% das mortes acidentais com pessoas acima 75 anos. Constituem a 6a causa de óbito em pacientes com mais de 65 anos segundo a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). No Brasil, estima-se que 30% dos indivíduos acima de 65 anos caem ao menos uma vez por ano.
A queda em idosos tem implicações econômicas e sociais importantes. A dependência desses pacientes para a sua manutenção, deslocamento para atendimentos em instituições, medicamentos, internações e a estrutura de manutenção, acarretam um custo econômico bastante alto. Frequentemente, o idoso oculta a verdadeira causa da queda. A maioria deles relata alterações no piso para justificar a queda. No entanto, vários fatores concorrem no desencadeamento da queda, sendo fundamental detectar os possíveis agentes causais. Uma causa comum relatada pela maioria dos pacientes como responsável pelos episódios de queda é o que eles chamam “labirintite”. É, no entanto, importante observar que a maioria não relata que houve tontura prévia ao momento da queda. É uma queixa comum em fraturas do colo do fêmur, quando o paciente relata que fraturou a perna porque caiu. Na realidade a osteoporose costuma ser a causa da fratura com consequente queda. Outro fato que observamos é o ato de levantar ou caminhar rapidamente é com escurecimento da visão e perda da consciência com queda (hipotensão ortostática – lipotimia – arritmias cardíaca). De fato, não são casos relacionados a problemas das funções vestibulares.
A queda em idosos em geral é decorrente do somatório de vários fatores de risco tanto intrínsecos, quanto extrínsecos (ambientais). O diagnóstico, a conduta e o tratamento são multidisciplinares.
FATORES DE ALTO RISCO PARA QUEDA
- Mais de 75 anos
- Sexo feminino
- Vida sedentária
- Fragilidade musculoesquelética
- Diminuição da percepção tátil
- Alteração da marcha (passos curtos – marcha oscilante)
- Desequilíbrio corporal
- Distúrbios da cognição
- Doenças vasculares (ataques isquêmicos transitórios)
- Arritmias cardíacas
- Alterações cognitivas
- Mal de Parkinson
FATORES CAUSAIS DE QUEDA
São considerados fatores intrínsecos aqueles decorrentes de alterações anatômicas e fisiológicas secundárias ao envelhecimento e associadas a processos crônicos degenerativos:
- Sistema visual
Diminuição da acuidade visual, da percepção de profundidade, lentificação resposta da pupila à luminosidade, catarata e uso de óculos com lentes incorretas.
- Sistema cócleo-vestibular
A presbiacusia, tonturas e em especial a vertigem posicional paroxística benigna (VPPB).
- Sistema neuro-muscular
A diminuição da massa muscular, aumento do percentual de gordura (sarcopenia) com consequente redução da força muscular e uma resposta neural menos eficaz. Em conjunto, essas alterações diminuem a capacidade de retornar a uma postura normal quando o corpo desequilibra.
- Sistema ósteo-articular
As deformidades na coluna, artroses, hérnias de disco, osteoporose e a postura inadequada, muitas vezes adquirida como uma posição antálgica, acarretam alterações posturais importantes que facilitam os episódios de queda.
- Sistema cardiovascular
As quedas súbitas no idoso podem ser desencadeadas por arritmias cardíacas, pela intolerância ortostática e síncopes. A alteração do ritmo cardíaco e do débito cardíaco deve ser avaliada por meio de “holter cardiológico” ou “tilt-test”.
- Sistema Respiratório
Pacientes com enfisema e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) podem apresentar quedas por insuficiencia de oxigenação central, sendo importante observar nesses pacientes o uso de benzodiazepínicos que agravam o quadro.
- Alterações metabólicas
São causas frequentes de quedas nos idosos, por alimentação e hidratação deficientes ou ainda pela alteração da absorção dos elementos no trato gastrointestinal. A desnutrição, a anemia, a hiponatremia e a desidratação podem ser observadas com muita frequência. Os distúrbios metabólicos relacionados à função pancreática, disglicemia e a glândula tireoide (hipotireoidismo) são fatores que concorrem para o equilíbrio do idoso.
- Doenças psicológicas
A ansiedade, a depressão e a síndrome do pânico em pacientes idosos possuem como causas: o poder econômico, isolamento social e baixa do metabolismo basal.
- Doenças neurológicas
Os distúrbios neurológicos acarretados por ataques isquêmicos transitórios, acidentes vasculares cerebrais, neuropatias periféricas (diabetes), doença de Parkinson (alteração da postura, passos curtos, tremores cefálicos e de membros), demência e Alzheimer, frequentemente ocasionam episódios de queda.
- Sistema Nervoso Central
Os tumores, a degeneração cerebelar, alterações do reflexo de proteção com lentificação do tempo de reação para recuperação postural culminam em desequilíbrio corporal e quedas.
- Polifarmácia
O uso de benzodiazepínicos, antidepressivos, hipotensores, diuréticos, vasodilatadores e antiarrítmicos também contribuem para episódios de quedas.
Fatores de risco extrínsecos
São fatores os fatores de risco: pouca iluminação do ambiente ou excesso de iluminação, pisos escorregadios ou irregulares, subir em escadas ou bancos, escada rolante, tapetes soltos, calçados inapropriados (salto alto e sandália) e uso de óculos escuros à noite.
CONSEQUÊNCIAS DAS QUEDAS
- Imediatas: Fraturas de fêmur, úmero, mão, face e hematoma subdural.
- Econômicas: As despesas com tratamento médico, a reabilitação e a perda de produtividade nos idosos com vida profissional ativa.
- Tardias: Custo econômico para sua manutenção, o custo social familiar, dependência física para as atividades rotineiras, cuidados com auxilio de acompanhante, dor crônica pós-traumática. Ainda por repouso excessivo ocorre aumento da osteoporose e maior probabilidade de queda. O medo de novas quedas, de machucar-se, de imobilização e de hospitalizações.
CONCLUSÃO: As quedas podem ser evitadas. A ação importante está nas atitudes de prevenção das quedas.