Dr Rodrigo Guizardi
Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina da Universidade de Marília – SP
A Barreira Hematolabiríntica (BHL), assim como a Barreira Hematoencefálica (BHE), é uma estrutura fundamental para homeostase da orelha interna/SNC e já amplamente pesquisada na medicina moderna. É uma interface entre os órgãos periféricos e o SNC e controla seletivamente a troca de substâncias entre eles, mantendo o equilíbrio bioquímico e fisiológico no ambiente intersticial e celular.
Os principais atores das BHL e BHE são as células e junções endoteliais compactas que revestem os vasos sanguíneos e permitem apenas a passagem de pequenas moléculas lipossolúveis, gases e íons. Outras moléculas maiores, como a glicose, dependem de canais específicos. Portanto fica clara a importância dessas barreiras para adequada fisiologia dos fluídos, íons, moléculas e do equilíbrio oxidativo das vias auditivas e labirínticas.
Classicamente, as doenças da orelha interna, como Meniere, VPPB, neurites e perdas auditivas, são amplamente estudadas como entidades distintas, seus respectivos mecanismos fisiopatológicos, fatores de risco e opções terapêuticas. A análise atenta desses estudos e de vasta literatura sobre fisiologia, bioquímica e bases fisiopatológicas das doenças crônicas que acometem o corpo humano, demonstra um ponto convergente entre todas elas: a inflamação crônica estéril, também denominada inflamação crônica de baixo grau.
Caracteristicamente essa inflamação apresenta um curso longo, por vezes silencioso e com uma grande dissociação de sinais e sintomas. Por suas características, por muitas vezes a inflamação passa despercebida diante da visão médica tradicional não integrativa. A má alimentação, disbiose, o estresse com desregulação do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenais, sobrepeso/obesidade, sedentarismo, tabagismo, poluição e intoxicação por metais pesados são exemplos dos grandes catalisadores do processo.
O desequilíbrio da cascata inflamatória, com a liberação persistente de citocinas inflamatórias, provoca um incremento significativo do estresse oxidativo, desorganização funcional celular, lesão tissular e do DNA. Sendo assim, é fácil entender a base fisiopatológica de múltiplas patologias que a medicina tradicional enxerga e trata como entidades distintas. Entre esses diagnósticos estão a aterosclerose, câncer, a neurodegeneração, artroses, cardiopatias, DPOC, asma, sinusite crônica, assim como as doenças otoneurológicas.
Ao revisar as publicações sobre fatores de risco relacionados a doenças da orelha interna, encontramos uma significativa quantidade de referências a distúrbios metabólicos. Entre eles a diabetes, hiperinsulinemia, tireoidopatias, dislipidemias, autoimunidade, vírus, drogas ototóxicas, ruído, SAHOS, hipovitaminoses, disbiose, etc…
A questão é: Mas afinal, há um elo comum entre todos eles?
E a resposta é: Sim! A inflamação crônica estéril/estresse oxidativo com a possível disfunção da barreira hematolabiríntica.
Revendo a literatura específica, citamos alguns estudos que sugerem a interrelação entre as doenças da orelha interna e o processo inflamatório crônico:
A propósito deste assunto, é de grande importância para o médico otorrinolaringologista a visão integrativa sistêmica da relação entre a disbiose, BHL e neuroinflamação crônica estéril. Essa associação pode ser observada no organograma que segue.
Uma interessante publicação do Word Journal of Otorhinolaryngology em 2013, a respeito da perda auditiva neurossensorial súbita idiopática, busca integrar as diversas hipóteses diagnósticas da perda auditiva. Em todas elas os autores encontram o “estresse” como gatilho para o desequilíbrio do sistema imunológico com a liberação de citocinas, ativação inadequada do eixo Hipotálamo-Hipósise-Adrenais e do sistema nervoso autônomo, que impactam negativamente na fisiologia coclear. Nesse caso a ativação do NFKB pode ser a via de convergência entre os “estressores sistêmicos”.
O estresse oxidativo também foi atribuído aos pacientes com VPPB, em um artigo de 2018 do The Journal of International Advanced Otology. Nesse estudo, 62 pacientes foram divididos em 2 grupos (saudáveis e VPPB) e no grupo VPPB foi observada a maior prevalência do status inflamatório, por ação direta dos radicais livres e desbalanço metabólico do cálcio. A propósito, vale a pena lembrar que os otólitos são formados por carbonato de cálcio, cujas fracas ligações são muito mais sensíveis ao estresse oxidativo e às variações de ph. Os ossos, por outro lado, são formados por fosfato de cálcio, cujas ligações mais fortes são, possivelmente, fruto evolutivo da exigência muscular.
Creio que uma melhor compreensão sobre a inflamação crônica estéril, seus gatilhos e mecanismos fisiopatológicos, que repercutem nos diversos sistemas orgânicos, trará definitivamente uma mudança de olhar do médico em relação às doenças, bem como uma fabulosa ampliação no arsenal de “ferramentas terapêuticas”.
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