Voltar Professor Dr. Maurício Ganança

 

por Maurício Ganança e por Ítalo Medeiros

O filho de sr. José e da sra. Mafalda nasceu na cidade de Santos no estado de São Paulo. José, um português naturalizado e Mafalda, uma brasileira com ascendência italiana batizaram seu único filho como Maurício.

Naquela cidade do litoral paulistano ele parece ter vivido uma infância/adolescência sossegada e feliz. Mas, foi na capital do estado, onde se firmou profissionalmente e gerou sua grande família.

Não é difícil falar com carinho do Dr. Maurício Ganança.

Um homem de voz tranquila, sorriso discreto e olhar seguro.

Um médico apaixonado pela otoneurologia com uma bagagem (diria, contêiner) de experiências humanas e profissionais dignas de notas altas e elogios.

Era assim que o via (e ainda o vejo) quando por aqui cheguei. Quando me atrevi a desenvolver o meu olhar na otoneurologia.

Sempre tive a curiosidade de saber um pouco mais sobre ele.
E fiquei feliz quando fui solicitado que o entrevistasse.

E é por ele próprio, que descubro suas histórias.

Ítalo: Como vc era quando criança? Que brincadeiras mais gostava? Qual foi a maior peraltice?

Mauricio: Era uma criança essencialmente tranquila, que gostava muito de ler, a exemplo da minha mãe. Gostava de jogar futebol. Não me lembro de nenhuma peraltice, era bem comportado…

Ítalo: Como era o Maurício – aluno? Falo da época do colégio aqui…

Maurício: Sempre estudei muito, procurando estar entre os primeiros das classes. Continuei sendo comportado na adolescência, inclusive tendo ganhado uma medalha como o aluno mais bem comportado da escola em determinado ano, pelo que fui muito vaiado por todos os outros colegas ao recebê-la…

Ítalo: Quando se mudou pra cá e por que?

Maurício: Mudei para São Paulo em 1958, para fazer cursinho para Medicina.

Ítalo: Quantos filhos?

Maurício: Quatro filhos (Fernando, Marcelo, Sílvia e Cristina) e 12 netos. Fernando, otorrinolaringologista, Cristina, fonoaudióloga, e minha esposa Heloisa, fonoaudióloga, trabalham comigo na equipe do Setor de Equilibriometria do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo.

Ítalo: Quando resolveu que iria ser médico? E por que? Quais foram suas motivações?

Maurício: Antes de pensar na Medicina, queria ser biólogo e desde a adolescência já gostava de fazer pesquisas nesta área, depois de ganhar dos meus pais um microscópio e material de laboratório. Motivado por colegas do cursinho, resolvi prestar exame vestibular para Medicina.

Ítalo: onde cursou a Medicina?quando?

Maurício: Ingressei na UNIFESP-EPM em 1959.

Ítalo: Como foi a faculdade? E porque escolheu Otorrino?

Mauricio: Depois de atendido várias vezes pelo saudoso Prof. Dr. Ângelo Mazza, devido a uma faringite crônica, a partir do 4º ano passei a frequentar as atividades do Ambulatório de Otorrinolaringologia, sob a supervisão deste professor e recebendo também os primeiros ensinamentos do Prof. Dr. Paulo Mangabeira Albernaz. Ainda como aluno da graduação em Medicina, meu interesse inicial foi a Rinologia, seguindo a orientação do Prof. Mazza, participando de diversas investigações científicas que resultaram em apresentações em congressos da especialidade e publicações em nosso meio.

Ítalo: Onde fez A sua formação em Otorrino?

Maurício: A minha formação em Otorrino foi continuada na Disciplina de Otorrinolaringologia da UNIFESP-EPM, após a minha formatura nesta instituição em 1964.

Ítalo: Como foi parar na otoneurologia? Como foi o começo dessa sub-especialidade (área de atuação) no Brasil?

Maurício: Em 1964, a Disciplina de Otorrinolaringologia passava por processo de reorganização pelo Prof. Dr. Pedro Luiz Mangabeira Albernaz. Nesta ocasião, o Prof. Pedro Luiz convidou-me a participar da avaliação otoneurológica de pacientes ambulatoriais incluídos em pesquisa científica que resultaria na sua tese de Docência Livre. Simultaneamente, também participei das avaliações otoneurológicas de pacientes do saudoso Prof. Nelson Álvares Cruz, no Hospital São Paulo. Os ensinamentos destes dois professores foram fundamentais para a minha formação e meu desenvolvimento nesta área. Posteriormente, como assistente voluntário, continuei a participar de atividades otoneurológicas. Paralelamente, ingressei em 1965 no Hospital Municipal de São Paulo, desenvolvendo a secção de otoneurologia na Clínica Otorrinolaringológica, onde permaneci até 1979. Em 1989 foi criada uma Disciplina de Otoneurologia, onde participei de diversos trabalhos científicos apresentados e publicados no Brasil e no exterior. Na época, os Profs. Lázaro Gilberto Formigoni, Marcelo Calábria e Marco Aurélio Bottino também desenvolviam as atividades otoneurológicas no Hospital das Clínicas e na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Ítalo: Como enxergar a otoneurologia hoje no Brasil? E no Mundo?

Maurício: Enxergo com muita satisfação o grande progresso da otoneurologia no Brasil e no Mundo, com o avanço dos recursos tecnológicos e principalmente com a preocupação e dedicação dos otorrinolaringologistas e neurologistas na aquisição de novos conhecimentos sobre as vestibulopatias periféricas e centrais e as formas de diagnosticá-las.

Ítalo: Quem foram seus Gurus? O ético? O Profissional? O espiritual?

Maurício: Espelhei-me em meus mestres na especialidade, Profs. Angelo Mazza, Nelson Cruz e Pedro Luiz Mangabeira Albernaz para nortear as minhas condutas. No dia-a-dia, também aprendi muito com meus filhos Fernando e Cristina, minha esposa Heloisa, e com os colegas Roseli Bittar, Marco Aurélio Bottino, Sérgio Albertino, Raquel Mezzalira e Mário Greters, especialmente durante profícua atuação da nossa equipe no Departamento de Otoneurologia da ABORL-CCF, em passado recente.

Ítalo: Como enxerga a política hoje no Brasil?

Maurício: Polêmica e preocupante.

Ítalo: O que você diria hoje para esses novos profissionais médicos sobre ética? E sobre a ciência?

Maurício: Recomendo aos novos colegas seriedade, honestidade e dedicação para obter a conduta diagnóstica e terapêutica mais adequada para cada paciente, respeitando os princípios éticos da medicina. A atualização constante dos conhecimentos na área de atuação é fundamental.

Ítalo: O que você gostaria de ter feito e não fez ainda na sua vida?

Maurício: Tenho procurado fazer o que eu gosto. Não me recordo de nenhuma aspiração não realizada.

Ítalo: O que você teria feito diferente do que fez?

Maurício: Nada.

Ítalo: Qual foi a coisa mais bacana que você fez em sua vida até hoje?

Maurício: Certamente a carreira universitária, onde consegui fazer dois doutorados, docência livre e obter os títulos de Professor Adjunto e posteriormente de Professor Titular. E, sem dúvida, também a oportunidade de realizar muitas pesquisas otoneurológicas juntamente com os meus professores e vários colegas da Disciplina de Otoneurologia desta instituição, que resultaram em diversos artigos publicados e apresentações em congressos e cursos em nosso meio e em outros países.

Ítalo: E o momento mais impactante de sua vida?

Maurício: Minha vida teve vários momentos especiais, mas foi muito impactante o recebimento no ano de 2000, do Prêmio Tato-Claussen da Neurootological and Equilibriometric Society, Bad Kissingen, Germany, pela contribuição ao desenvolvimento da otoneurologia.

Ítalo: Qual lugar do mundo mais te encantou? E por que?

Maurício: Muitos lugares no mundo me encantaram, mas três merecem menção especial: os parque naturais de Plitvice (Croácia), pela incrível exuberância da paisagem rica em lagos e cascatas; Arches e Brice, pela maravilhosa diversidade morfológica de suas estruturas rochosas (Utah,USA).

Ítalo: Você já ajudou na formação de vários médicos ORL. O que você aprendeu com eles? E tantos anos depois o que você gostaria de dizer a eles que talvez não tenha dito.

Maurício: Ensinando, aprendi muito, pois sempre procurei preparar-me da melhor forma possível para os muitos cursos nos quais participei. Por outro lado, muitos alunos destes cursos também compartilharam comigo suas experiências pessoais, contribuindo para melhorar a prática das minhas atividades otoneurológicas. Gostaria de dizer ou de repetir a eles o quanto é importante a atualização dos conhecimentos, para o que é necessário estudar sempre. O contato frequente em cursos e congressos com outros colegas que atuam na mesma área, para aquisição de novos conceitos ou aprimoramento de condutas, é também altamente desejável.

Ítalo: Tem algum projeto de vida em mente? O que ainda está na esfera dos seus sonhos; mas você acredita que vai viabilizar?

Maurício: Na minha mente e em meus sonhos, projeto por muito tempo o prosseguimento das minhas atividades profissionais e científicas, a convivência com meus familiares e que possa continuar contribuindo para a formação dos colegas na Disciplina de Otologia e Otoneurologia da UNIFESP-EPM ou em cursos e congressos.

É isso mesmo, querido Dr. Maurício!

A todos nós, otorrinos desse país resta torcer e rezar para que esse projeto de vida se mantenha firme e produtivo.

Ainda temos tanto, mas tanto a aprender contigo. Que seus ensinamentos possam chegar em vários cantos desse enorme Brasil.

Como você apropriadamente falou: a tecnologia avança na otoneurologia. Mas a ética médica necessita ser revisitada e aprendida a cada dia. E precisamos de homens como vossa senhoria, que com seu comportamento e austeridade nos ensinam que tudo isso vale (e valeu) a pena. Que acreditou na ciência mesmo quando a otoneurologia ainda engatinhava.

Pobre somente são aqueles alunos, que o vaiaram na escola.
Hoje eles engoliriam a seco (e com vergonha) cada palavra proferida. E claro, o aplaudiriam de pé e com todo respeito. Como todos nós agora o fazemos.

Obrigado por tudo isso.

Por todo esse encantamento e orgulho pela nossa profissão.