Voltar Deficiências nutricionais e tontura


Denise Utsch Gonçalves,  Professor Associado IV de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

Marcia BiléckiOtoneurologista do Instituto Penido Bournier.


Tonturas são sintomas desconfortáveis, que levam as pessoas a procurarem prontamente o seu médico. O medo da queda é um receio fundamentado, pois as fraturas são responsáveis por elevada morbidade e severo comprometimento da qualidade de vida. A ansiedade, as doenças do ouvido, as reações adversas a medicamentos e a deficiência de nutrientes e vitaminas podem provocar tonturas e até danos físicos, às vezes irreversíveis. Devemos nos preocupar com o estado nutricional dos indivíduos em todas as idades, mas a população idosa, que atualmente atinge facilmente a faixa etária de 80-90 anos, é mais susceptível à tontura e às deficiências nutricionais secundárias à senescência.

O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial e, no Brasil, as modificações ocorrem de forma radical e bastante acelerada. As projeções mais conservadoras indicam que em 2020 o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos, com um contingente superior a 30 milhões de pessoas. O número de idosos no Brasil passou de 3 milhões em 1960, para 7 milhões em 1975 e 20 milhões em 2008 – um aumento de quase 700% em menos de 50 anos. Essa transição demográfica deve-se à queda da fecundidade e, de modo menos importante, à redução das taxas de mortalidade em idosos. Consequentemente, doenças próprias do envelhecimento passaram a ganhar maior expressão no conjunto da sociedade1.

 

METABOLISMO DA VITAMINA D E DO CÁLCIO  

– VPPB

A vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) é uma das alterações vestibulares mais comuns. O mecanismo da VPPB foi bem estabelecido e os sintomas são atribuídos ao deslocamento de partículas provenientes do vestíbulo (otólitos) livres na endolinfa, a canalitíase, ou ligados à cúpula do canal semicircular (cupulolitíase). Os otólitos ou otocônias são partículas compostas por cristais de carbonato de cálcio e um núcleo orgânico constituído predominantemente por glicoproteínas. Os fatores predisponentes da VPPB até agora identificados são idade avançada, gênero feminino, traumatismo craniano e distúrbios sistêmicos que afetam a orelha interna.

A osteopenia/osteoporose têm se mostrado associada com VPPB em estudos recentes2-3. O fato sugere que o metabolismo de cálcio está alterado em sujeitos com VPPB e pode ser uma possível causa para a disfunção vestibular. Mesmo os indivíduos sem ostopenia/osteoporose, mas com deficiência de vitamina D, apresentam maior risco de VPPB3. Aliado à falta de vitamina D, observa-se comumente no idoso o aproveitamento ineficiente do cálcio circulante, fato que pode ser considerado como um fator predisponente para VPPB e osteopenia/osteoporose nessa faixa etária. Quando não há direcionamento correto do cálcio para o metabolismo de osteoblastos, a mineralização óssea não é adequada e o osso não se forma de maneira saudável. A mineralização adequada é dependente do colecalciferol, e sua ausência pode favorecer o depósito do cálcio em locais indesejados, predispondo para a liberação de debris e de otólitos da mácula otolítica. O reaproveitamento do cálcio circulante pode ser melhorado com o uso de alguns medicamentos que são agentes anti-reabsortivos denominados bifosfonatos: alendronato, risedronato, ibandronato sódico e ácido zolendrônico. A utilização dos bifosfonados mostram efetividade na redução de fraturas e pode ser utilizado na profilaxia da VPPB4.

O metabolismo mineral e ósseo pode ser avaliado com medidas não invasivas. O encontro de fosfatase alcalina sérica e níveis de paratormônio elevados, decréscimo de vitamina D25-OH (< 10ng/mL) e redução da excreção urinária de cálcio (< 100mg/dia) – sugere um estado “pré-osteomalácia”5.

O tratamento da VPPB recorrente inclui as manobras de reposicionamento, orientação quanto à ingestão de cálcio na dieta, correção dos valores de vitamina D de forma continuada, visto que a suspensão da suplementação sem acompanhamento significa retorno da insuficiência. Nos idosos especialmente, a exposição ao sol é pouco eficiente para normalizar vitamina D.

A adequação da vitamina D e a ingesta correta de cálcio, seja por suplementação ou, preferencialmente, por dieta, são necessários para que não ocorra perda de massa óssea maior que o esperado para a faixa etária. Acima de 50 anos, recomenda-se a ingesta de 1200 mg a 1500 mg por dia. Em média, a quantidade de cálcio por alimento:

leite desnatado (copo grande) – 298 mg;  queijo minas fresco (1 fatia média) – 206 mg; iogurte (200 ml) – 240 mg; espinafre cozido (4 colheres de sopa) – 161 mg; couve refogada ( 2 colheres de sopa) – 164 mg.

 

– SARCOPENIA

Além da VPPB, a perda de massa muscular se relaciona ao metabolismo do cálcio e vitamina D. A síndrome de fragilidade do idoso engloba perda de massa magra, fadiga, quedas frequentes, fraqueza muscular, diminuição da velocidade da caminhada e redução da atividade física. A sarcopenia é um processo natural da vida de todos os indivíduos e se intensifica a partir dos 50 anos, predominando em mulheres6. Sua prevenção depende do estilo de vida e aporte nutricional.  A manutenção de uma vida ativa, com exercícios físicos, é fundamental para a manutenção da saúde muscular e óssea.

A leucina é um aminoácido que auxilia na prevenção da sarcopenia. Como suplemento alimentar ajuda a preveni-la pelo seu efeito anabólico na síntese da proteína muscular. Nos idosos, suplementos alimentares hiperproteicos podem ser contraindicados algumas vezes, seja pela função renal deficiente ou por dificuldade na ingesta de carne (como na disfagia, por exemplo). Alguns autores sugerem para o idoso a ingesta de 0,8g/kg/dia de proteína. Em nosso meio, notamos a nítida preferência dos indivíduos da terceira idade pelos carboidratos e esse tipo de alimentação pode facilitar a sarcopenia. Nesses casos, a suplementação de leucina estaria indicada11.

 

IMPORTÂNCIA DA VITAMINA B12, DO ÁCIDO FÓLICO E A INSTABILIDADE

Um suprimento adequado de vitamina B12 (cobalamina) é essencial para a formação normal do sangue e para a função neurológica. Sua falta pode provocar anemia megaloblástica o que pode ser causa de fadiga e tonturas.

As complicações neurológicas estão presentes em 75 a 90% dos indivíduos com deficiência de B12 observável clinicamente e, em cerca de 25% dos casos, podem ser sua única manifestação clínica. As manifestações neurológicas incluem distúrbios sensoriais nas extremidades (formigamento e dormência) que são piores nos membros inferiores. Pode ocorrer perturbação motora, alteração da percepção vibratória e do senso de posição, fatos que interferem particularmente no equilíbrio corporal.  Especialmente no idoso, a função física deficiente está associada a resultados adversos na saúde. O prejuízo da saúde vascular e do sistema neuromuscular pode causar impacto negativo na marcha8. As alterações cognitivas variam desde a perda de concentração, de memória e desorientação até a demência franca, com ou sem alterações de humor9.

No estômago, a B12 ligada a alimentos é dissociada das proteínas na presença de ácido e pepsina. Os fatores que podem contribuir para redução da absorção de vitamina B12 incluem diminuição da acidez gástrica secundária ao uso de fármacos, presença de gastrite atrófica, comprometimento da integridade funcional e estrutural das proteínas de ligação da B12 e sua ausência no fígado, seu principal órgão de reserva.

A concentração de B12 no soro reflete não apenas sua ingesta, mas também as suas reservas10. Considera-se que o limite inferior é de aproximadamente 170 a 250 pg/mL para adultos, mas essa dose varia de acordo com o método utilizado e o laboratório que conduz a análise. À medida que a deficiência se desenvolve, os valores séricos podem ser mantidos a partir da mobilização da vitamina reservada nos tecidos e fígado. Assim, um valor de B12 sérico acima do ponto de corte não indica necessariamente um estado adequado e, ainda, um valor baixo pode representar uma anormalidade em longo prazo ou baixo consumo por tempo prolongado. Desse modo, níveis sérios menores que 350 pg/mL autorizam a sua suplementação que pode ser oral ou injetável nos idosos com queixas neurológicas ou de instabilidade. Causas comuns de deficiência são a dieta vegetariana estrita e a gastrectomia. Medicamentos comumente prescritos em geriatria para uso contínuo e que podem causar insuficiência de B12 são a metformina e drogas que reduzem a acidez gástrica, como, por exemplo, os antagonistas H2 e os inibidores de bomba de prótons, destacando-se o omeprazol.  Para a suplementação, a absorção da B12 em sua forma cristalina é eficiente por via oral mesmo em idosos com gastrite atrófica11.

A carência de ácido fólico é muito comum. Sabidamente um fator que atua na prevenção da doença aterosclerótica, a diminuição do ácido fólico na dieta pode resultar em diminuição do fluxo sanguíneo na orelha interna, seja por alteração circulatória ou por liberação de trombo-êmbolos à distância. Altas doses de ácido fólico têm sido eficazes na proteção do sistema cardiovascular12.

Alimentos ricos em B12: carne, ovos, peixe, leite e alimentos enriquecidos, como cereais, etc.

Alimentos ricos em ácido fólico: vegetais e frutas. No Brasil as farinhas são enriquecidas com ácido fólico.

 

VITAMINA B6 (piridoxina)

A vitamina B6 é outro elemento importante para a formação de células vermelhas saudáveis.  Além disso, é uma vitamina que auxilia a manter os níveis de glicose estáveis no sangue, fundamental para os indivíduos diabéticos ou pré-diabéticos – especialmente aqueles que apresentam tonturas associadas à hipoglicemia.

A vitamina B6 é importante cofator enzimático e está envolvida na produção de vários neurotransmissores e da bainha de mielina. Sua deficiência pode culminar com a neuropatia. A partir do aminoácido triptofano, participa da formação de serotonina, neurotransmissor que promove o bem-estar. Na ausência da vitamina B6 há desvio da reação com acúmulo de glioxalato, consequente elevação de sua excreção renal e predisposição à formação de depósitos de oxalato de cálcio – mecanismo proposto para explicar a liberação de cristais da VPPB4.

A piridoxina é obtida a partir da dieta: carne, ovos, leite, batata inglesa, aveia, banana, gérmen de trigo, levedo de cerveja, nozes, semente de girassol, abacate e grãos integrais.  A dose recomendada é de 20-100mg/dia ou 5-10mg na forma de piridoxal-5-fosfato (forma ativa)12.

 

Referências:

  1. Veras RP. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev. Saúde Pública. 2009;3(3):548-54
  2. Jeong S-H, Kim J-S, Shin JW, Kim S, Lee H, Lee AY, et al. Decreased serum vitamin D in idiopathic benign paroxysmal positional vertigo. J Neurol [Internet]. 2013;260(3):832–8.
  3. Kahraman SS, Ozcan O, Arli C, Ustun I, Erduran R, Akoglu E, et al. Calcium Homeostasis During Attack and Remission in Patients With Idiopathic Benign Paroxysmal Positional Vertigo. Otol Neurotol [Internet]. 2016 Oct;37(9):1388–92.
  4. Yasbek MA, Marques Neto JF. Osteoporose e outras doenças metabólicas no idoso. Einstein, (1sup),S75-S8, 2008.
  5. Basha B, Rao DS, Han ZH, Parfitt AM. Osteomalacia due to vitamin D depletion: a neglected consequence of intestinal malabsorption.
  6. Sunmin P, Jung-O H, Byung-Kook L. A positive association of vitamin D deficiency and sarcopenia in 50 year old women, but not men. 2014;33(5):900-5.
  7. Paddon-Jones D and Rasmussen B. Dietary protein recommendations and the prevention of sarcopenia. Curr Opin Clin Metab Care. 2009, January; 12(1):86-90.
  8. Wong CW. Vitamin B12 deficiency in the elderly: Is it worth screening? Hong Kong Med J. 2015;21(2):155–64.
  9. Health Quality Ontario. Vitamin B12 and cognitive function: an evidence-based analysis. Ont Health Technol Assess Ser [Internet]. 2013;13(23):1–45.
  10. Institut of Medicine. Dietary Reference Intakes for Thiamin, Riboflavin, Niacin, Vitamin B6, Folate, Vitamin B12, Pantothenic Acid, Biotin, and Choline. 567 p.
  11. Sanz-Cuesta T, González-Escobar P, Riesgo-Fuertes R, Garrido-Elustondo S, del Cura-González I, Martín-Fernández J, et al. Oral versus intramuscular administration of vitamin B12 for the treatment of patients with vitamin B12 deficiency: a pragmatic, randomised, multicentre, non-inferiority clinical trial undertaken in the primary healthcare setting (Project OB12). BMC Public Health. 2012;12(394):1–11.
  12. Arnadottir M, Brattstrom L, Simonsen O, Thysell H, Hultberg B, Andersson A, Nilsson-Ehle P. The effect of high-dose pyridoxine and folic acid supplementation on serum lipid and plasma homocysteine concentrations in dialysis patients. Clinical Nephrology. 1993,40(4):236-240.


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