Durante o mês de março ocorreu o LATAM BALANCE SEMINAR 2024 na cidade de Merida no México. A finalidade do evento foi realizar um encontro de confraternização dos países americanos, discutindo nosso assunto preferido: a otoneurologia.
Houve participação de colegas brasileiros, de vários serviços nacionais, que levaram um pouco da nossa experiencia no Brasil. Nossa equipe do HCFMUSP esteve presente e pode participar e aprender com os demais colegas de outros países americanos.
Parabéns à INTERACOUSTICS, que organizou esse evento tão agradável.
Nos dias 04 e 05 março de 2024 aconteceu o XVIII CURSO DE OTONEUROLOGIA BÁSICA – PRINCÍPIOS E PRÁTICAS na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O curso teórico-prático abordou assuntos relevantes para a compreensão da anatomofisiologia do sistema vestibular e suas disfunções, com foco na sua aplicabilidade clínica no dia a dia. Foram discutidos os exames otoneurológicos convencionais e as novas abordagens tecnológicas, as doenças vestibulares mais prevalentes, os novos conceitos diagnósticos e o enfoque na multidisciplinariedade necessária para a reabilitação vestibular. Tivemos o privilégio de receber alunos de várias regiões do Brasil, garantindo uma troca interessante de conhecimento e vivências.
Durante o segundo dia do curso, os alunos entraram em contato com os diversos equipamentos utilizados no Setor de Otoneurologia do HCFMUSP. Foi apresentado o manuseio dos aparelhos, seus fundamentos, suas principais indicações e interpretação de seus traçados. Os alunos tiveram oportunidade de conhecer novas tecnologias, muitas disponíveis apenas em serviços de referência.
Agradecemos a presença de todos os colegas na XVIII edição do curso e esperamos revê-los no segundo módulo de nosso curso no próximo semestre deste ano. São vocês que nos incentivam a trabalhar mais e melhor.
O dia 03/02/2024 marca uma importante data para a otoneurologia brasileira: a fundação da Academia Brasileira de Otoneurologia (ABON). A assembleia constituinte contou com o apoio da ABORL e de diversos membros fundadores. Foi um momento de grande alegria, pois a ABON materializa um sonho que vem amadurecendo ao longo dos últimos anos. Foi a solidificação de um trabalho sério desenvolvido durante 14 anos pelo Departamento de Otoneurologia da ABORL-CCF, que agora recebe o status de Academia. Houve debate entre todos os participantes a fim de contribuir para o fortalecimento da recém fundada ABON.
Estiveram presentes o Dr Fabrizio Romano e Dr Leonardo Haddad, presidente e primeiro vice-presidente da ABORL 2024; Dr Márcio Salmito, Dr Mario Greters, Dra Roseli Bittar e Dr Marcelo Henrique Oliveira e outros expoentes da área.
A equipe de Otoneurologia HC-FMUSP sente-se orgulhosa por fazer parte deste momento que coroa a luta pelo merecido reconhecimento e por uma otoneurologia de excelência.
Patricia Sens
Mestre e Doutora pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP
Médica otoneurologista do Instituto de Neurologia de Curitiba.
Cesar Bertoldo Garcia
Assistente doutor doHospital das Clínicas da FMUSP
De acordo com o National Institute for Deafness and Communication Disorders (NICDC) a Surdez Súbita (SS) ou Perda Auditiva Neurossensorial Súbita (PANS) pode ser definida como toda perda auditiva neurossensorial, igual ou maior que 30 dB, em três ou mais frequências consecutivas e que se instala em até três dias1. Ela representa até 1,7% dos atendimentos no consultório otorrinolaringológico2. É mais frequente entre a terceira e sexta décadas de vida e diminui nos extremos de idade3. A fisiopatologia da PANS permanece indefinida e em até 90% dos casos e, quando a causa não é identificada, é classificada como idiopática4. Para a maioria dos autores, os casos idiopáticos são atribuídos aos seguintes mecanismos: infecção viral, distúrbio microcirculatório, processo imunomediado e ativação das vias de estresse celular5. Infelizmente em poucos casos é possível chegar a um diagnóstico de certeza e a maioria das hipóteses fica no campo das probabilidades6.
Segundo a última atualização do site UpToDate, todos os pacientes com PANS devem ser tratados com glicocorticoides, mesmo os casos idiopáticos e os que apresentam causa identificável7. No entanto, nem sempre esse tratamento é efetivo e utilizaremos 2 casos clínicos como exemplo para ilustrar o fato.
CASO CLÍNICO 1
TBCD, sexo feminino, 36 anos, foi atendida em um Pronto Atendimento de Otorrinolaringologia com perda auditiva súbita na orelha direita há 6 dias. Relatava zumbido contínuo ipsilateral e crise vertiginosa severa, com náuseas e vômitos. O exame físico otorrinolaringológico (otoscopia, oroscopia e rinoscopia) era normal. Não havia queixa de cefaleia, diplopia, síncope ou qualquer outro sinal ou sintoma neurológico. Recebeu prescrição de prednisolona 60 mg ao dia e meclizina 25 mg de 8/8 horas e foi encaminhada para seguimento ambulatorial.
Durante a avaliação com o otoneurologista, seis dias após, a paciente persistia com sintomas auditivos, embora relatasse redução na intensidade da tontura que naquele momento era uma intolerância aos movimentos da cabeça. No exame de equilíbrio corporal a marcha Tandem e o teste de Fukuda não apresentavam alterações; sem nistagmo espontâneo ou evocado; os testes de impulso cefálico e estrabismo vertical não apresentavam alterações e a perseguição ocular era normal. Como antecedentes pessoais, a paciente negava comorbidades, cirurgias prévias ou uso de medicações contínuas. Seus exames complementares apresentaram os seguintes achados:
ponto-cerebelar: estruturas da orelha interna sem alterações.
Na audiometria (figura 1), confirmou-se uma perda auditiva neurossensorial profunda à direita, com Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF) ausente e curvas timpanométricas do tipo “A” com reflexos acústicos ausentes (figura 2).
Figura 1: Audiometria inicial
Figura 2: Impedânciometria
No VHIT conduzido na primeira consulta (figura 3), foi identificado baixo ganho no canal semicircular posterior (CSCP) direito, acompanhado por sacadas descobertas. Adicionalmente, registrou-se os “Anticompensatory Quick Eye Movements” (AQEM) no canal semicircular anterior (CSCA) esquerdo, achados que confirmam a lesão do CCSP direito (setas em vermelho). No mesmo exame foi possível identificar a presença de sacadas cobertas no canal lateral (CL) à direita (seta preta), padrão que sugere uma lesão prévia em processo de compensação.
Figura 3: VHIT de entrada. Queixa de surdez a direita com vertigens.
Seguindo o protocolo de tratamento, foi prescrita a prednisolona na dose de 1 mg/kg/dia por mais 8 dias, totalizando duas semanas de corticoterapia sistêmica. Após esse período, por não existir melhora foi iniciada terapia de resgate. Optou-se por infiltrações intratimpânicas com 0,5 ml dexametasona 24 mg/ml, em 4 sessões ao longo de 2 semanas. Ao final das injeções não houve qualquer melhora dos sintomas.
Em exame de acompanhamento, realizado após 3 meses da primeira consulta, não eram mais observadas as sacadas cobertas no CL direito (Figura 4). O achado sugere uma compensação adequada do RVO nesse plano. No entanto, persistia a hipofunção no CSCP direito e surgiram novas lesões nos canais semicirculares lateral e posterior esquerdos. São observados hipoganho com sacadas cobertas do lado contralateral à orelha em estudo, alterações destacadas pelas setas em vermelho.
Figura 4: VHIT após 3 meses
CASO CLÍNICO 2
MCL, sexo masculino, 64 anos, apresentou perda auditiva súbita e zumbido em ouvido direito (OD), acompanhados por vertigem incapacitante, náuseas e vômitos por uma semana. A tontura era desencadeada ao deitar-se e melhorou parcialmente após a realização de manobras de reposicionamento por fisioterapeuta. O exame físico otorrinolaringológico (otoscopia, oroscopia e rinoscopia) era normal. Na avaliação clínica específica, não foram observados desvios em teste de Fukuda ou à marcha Tandem. A pesquisa de nistagmos espontâneo e semi-espontâneos foi negativa. Os testes de impulso cefálico, estrabismo vertical e Head Shaking não apresentaram alterações. O seguimento ocular estava dentro dos parâmetros normais.
Como antecedentes pessoais, havia histórico de duas cirurgias prévias para varizes em membros inferiores, realizadas há 8 anos e há 1 ano. Após a última cirurgia, foi prescrito o uso diário de Ácido Acetilsalicílico e cumarina + troxerrutina 15 mg, mas os medicamentos foram interrompidos há 2 meses do evento atual. Seus exames complementares apresentaram os seguintes achados:
ponto-cerebelar: tênues lesões inespecíficas na substância branca de ambos os hemisférios cerebrais, comumente relacionados a gliose por microangiopatia/aterosclerose (figura 5).
Figura 5: RM mostra atenuações em hemisfério cerebelar direito
(setas brancas).
A audiometria (figura 6), demonstra perda auditiva neurossensorial descendente de grau severo (OMS-2020), com comprometimento importante do IPRF. À impedanciometria são observadas curvas do tipo “A”, com reflexos acústicos ausentes.
Figura 6: Audiometria demonstra perda neurossensorial em agudos a esquerda e rebaixamento auditivo em rampa descendente acometendo especialmente as altas frequências a direita.
Ao VHIT constatou-se uma hipofunção do CSCP direito, com baixo ganho e presença de sacadas descobertas. Os demais canais demonstraram funcionamento preservado.
Figura 7: Video Head Impulse Test com baixo ganho e sacadas descobertas em CSPD (seta vermelha)
Discussão
Todos os indivíduos que enfrentam uma PANS têm indicação de RM com contraste para descartar condições patológicas retrococleares, como schwannoma, meningioma do ângulo ponto-cerebelar, entre outras. Esse procedimento foi realizado para ambos os pacientes. No primeiro caso não foram encontradas alterações na primeira RM, porém, no segundo a presença de microangiopatia foi identificada.
A comprovação de uma perda auditiva neurossensorial severa/profunda por meio da audiometria e uma apresentação clínica inicial com sintomas vestibulares associados são sinais de prognóstico desfavorável para ambos os pacientes. No primeiro caso não havia suspeita clínica de etiologia específica, e, de acordo com as diretrizes mais recentes8 deve ser iniciado o corticoide. A abordagem terapêutica padrão prevê o uso de corticosteroides sistêmicos seguida sequencialmente pela terapia de resgate com injeções intratimpânicas. Neste caso, sem resultados satisfatórios.
A investigação das queixas vestibulares por vHIT é uma conduta fácil, simples e nos dois casos revelaram lesões agudas no CSCP direito, com baixo ganho e sacadas descobertas. O seguimento posterior do primeiro caso foi um dado fundamental na identificação etiológica do evento. Após 3 meses, novas alterações foram observadas nos canais semicirculares posterior e lateral esquerdos. A evolução atípica despertou para a possibilidade de uma tromboembolia, pois o início súbito, esparso e recorrentes sugerem obstruções pontuais. A falta de resposta ao tratamento com corticoides reforça a hipótese. Chama a atenção tratar-se de uma paciente jovem, normalmente fora da faixa de risco para eventos vasculares. No entanto, havia uma pista no primeiro exame – a presença de lesão compensada do canal lateral direito, apontando para lesões recorrentes e em tempos diferentes dessas estruturas. Uma avaliação cardiológica foi então solicitada e o ecocardiograma revelou a existência de um forame oval patente, com aproximadamente 8mm, condição predisponente para embolia paradoxal e acidente vascular cerebral (AVC). Eis porque a corticoterapia não foi efetiva.
No segundo caso, o tipo de perda auditiva e a lesão isolada do canal posterior do mesmo lado, apontam para a mesma etiologia vascular. Neste caso, trata-se de um paciente idoso, com histórico de doença vascular, que recentemente havia interrompido o tratamento farmacológico com antiagregantes. O caso já sugere a etiologia tromboembólica. Como reforço para o diagnóstico, havia microangiopatia à RM de crânio. Sendo assim, o risco de doença vascular e AVC é alto. Não há indicação de corticoterapia.
Ao revisar a anatomia vascular da orelha interna e avaliar os resultados dos exames realizados por cada paciente, é razoável inferir que: no primeiro caso tenha ocorrido um evento isquêmico na artéria coclear comum, responsável pela irrigação de toda a cóclea e do canal semicircular posterior (figura 8A). No segundo caso, a obstrução do ramo cócleo-vestibular explica a perda auditiva típica em agudos e lesão do CSCP (figura 8B).
Figura 8- 8A: Caso 1 – provável oclusão da a. coclear comum; 8B: Caso 2 – provável oclusão do ramo cócleo-vestibular.
Para melhorar o topodiagnóstico das perdas auditivas, é possível a abordagem com outros exames como os VEMPs. Aliados à audiometria e VHIT, proporcionam um mapeamento funcional mais completo do território cocleovestibular. Por fim, as provas calóricas nos forneceriam informações relevantes sobre as vias intercomissurais9.
Em síntese, na abordagem dos pacientes com PANS que apresentam sintomas vestibulares, é fundamental traçar o topodiagnóstico vestibular. A realização do VHIT, e de outros exames que fazem o mapa funcional de todas as estruturas da orelha interna, auxiliam na identificação etiológica. No primeiro caso, a PANS idiopática apresentava origem cardiológica. No segundo caso, uma lesão periférica de cóclea e canal posterior escondia uma doença vascular com alto risco de AVC.
Outro ponto a ser discutido são os protocolos de tratamento para PANS e o uso generalizado de corticosteroides7,8. Nos pacientes que apresentam etiologia vascular essa estratégia medicamentosa não demonstra eficácia, agrava doenças de base e aumenta o risco de efeitos colaterais. Portanto, a decisão terapêutica deve ser cuidadosamente ponderada, para otimizar os resultados e minimizar os possíveis riscos. A personalização do tratamento, levando-se em consideração a fisiopatologia subjacente, é crucial para uma abordagem mais eficaz e segura.
Referências Bibliográficas
1. National Institute on Deafness and Other Communication Disorders. NIDCD Fact Sheet: Sudden Deafness. Washington, DC: US Department of Health and Human Services2018.
2. Niknazar S, Bazgir N, Shafaei V, Abbaszadeh HA, Zali A, Asghar Peyvandi A. Assessment of prognostic biomarkers in sudden sensorineural hearing loss: A systematic review and meta-analysis. Clin Biochem. Nov 2023;121-122:110684. doi:10.1016/j.clinbiochem.2023.110684
3. Bittar RSM, Zerati FE, Domingues EC, Ramalho JRO, Bento RF. Surdez súbita: experiência terapêutica de dez anos. Arq Int Otorrinolaringol. 2007;11(3):300-304.
4. Schreiber BE, Agrup C, Haskard DO, Luxon LM. Sudden sensorineural hearing loss. Lancet. Apr 3 2010;375(9721):1203-11. DOI: S0140-6736(09)62071-7 [pii]
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5. Stachler RJ, Chandrasekhar SS, Archer SM, et al. Clinical practice guideline: sudden hearing loss. Otolaryngol Head Neck Surg. Mar 2012; 146(3 Suppl):S1-35. doi:10.1177/0194599812436449
6. Chau JK, Lin JR, Atashband S, Irvine RA, Westerberg BD. Systematic review of the evidence for the etiology of adult sudden sensorineural hearing loss. Laryngoscope. May 2010;120(5):1011-21. doi:10.1002/lary.20873
7. Weber P. Sudden Sensorineural Hearing Loss in Adults: Evaluation and Management. Accessed 6 january 2024, https://www.uptodate.com/contents/sudden-sensorineural-hearing-loss-in-adults-evaluation-and-management
8. Chandrasekhar SS, Tsai Do BS, Schwartz SR, et al. Clinical Practice Guideline: Sudden Hearing Loss (Update). Otolaryngol Head Neck Surg. Aug 2019;161(1_suppl):S1-S45. doi:10.1177/0194599819859885
9. Bittar RSM, Mezzalira R, Ramos ACM, Risso GH, Real DM, Grasel SS. Vestibular recruitment: new application for an old concept. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88 Suppl 1(Suppl 1):S91-S96. doi:10.1016/j.bjorl.2021.04.006
O Curso de Otoneurologia Basica: princípios e práticas da FORL chaga a sua 18 Edição com um conteúdo programático atualizado e dinâmico. Nele, abordaremos os tópicos mais relevantes da Otoneurologia com ênfase no diagnóstico e tratamento preconizado pelo serviço de Otoneurologia do HCFMUSP, sempre voltado para o dia-a-dia do consultório. Com uma equipe multidisciplinar, o aluno terá uma visão ampliada do manejo do paciente com tontura, levando para seu cotidiano o que há de mais efetivo para uma prática clínica segura e eficaz.
Lucas Resende Lucinda Mangia
Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
A migrânea é uma entidade clínica extremamente prevalente nas populações. Tem ganhado destaque crescente na Otoneurologia em decorrência dos avanços no entendimento de sua relação com o sistema vestibular. Seu reconhecimento é importante fator no surgimento de sintomas vestibulares recorrentes e sua presença marcante nos consultórios e ambulatórios da área – um provável reflexo do estilo de vida contemporâneo no mundo ocidental. A literatura médica em relação à migrânea ganhou exponencial robustez nas últimas décadas. Com ela, surgiram novas abordagens farmacológicas que têm modificado os planos terapêuticos ofertados aos pacientes, tanto durante a crise quanto como estratégias profiláticas. Sublinha-se que, apesar de promissoras para outros quadros relacionados à migrânea – como a migrânea vestibular, os ensaios clínicos que as validaram foram realizados no contexto centralizado na dor de cabeça para a seleção, inclusão e investigação dos resultados terapêuticos. Assim, sua extrapolação para outras situações é baseada no compartilhamento de fenômenos fisiopatológicos – sem lastro experimental suficiente até o momento.
Os desenvolvimentos mais significativos dos últimos anos no tratamento da migrânea exploram apresentações diversas da doença. Destarte, há alguns anos a toxina onabotulínica tem sido utilizada sobretudo para o tratamento preventivo de enxaqueca crônica em adultos no Brasil. Trata-se de uma neurotoxina derivada da bactéria Clostridium botulinum cujo efeito mais conhecido é a inibição da liberação de acetilcolina nas terminações nervosas periféricas, impedindo a contração muscular local. Sua indicação em quadros migranosos é baseada nos resultados satisfatórios de dois ensaios clínicos randomizados (PREEMPT 1 e 2). Acredita-se que, nesse caso, ela atue inibindo a liberação de neuropeptídeos associados com o surgimento da dor, como o CGRP, neurocinina A e a substância P, coibindo e revertendo processos de sensibilização central existentes na migrânea crônica. A eficácia, segurança e tolerabilidade da toxina onabotulínica A foram demonstradas em estudos posteriores e seus efeitos adversos são raros, transitórios e leves. São uma alternativa a ser considerada em casos refratários e/ou crônicos, porém ainda não são conhecidos quais fatores predizem melhor resultado de sua utilização. Estudos preliminares indicam possível benefício em casos refratários de migrânea vestibular. Efeitos esses, na conectividade de áreas de integração multissensorial em análises por ressonância magnética funcional.
Outras linhas de desenvolvimento em ampla expansão envolvem, de modo mais direto, o papel de neurotransmissores – mais especificamente a serotonina, e de moléculas biologicamente ativas, sobretudo o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP, da sigla em inglês). Vários estudos implicaram a serotonina na patogênese da migrânea. A maior parte dos neurônios presentes no núcleo dorsal do rafe (local de emergência do nervo trigêmeo), nos gânglios trigeminais e também nas terminações nervosas do V par, é serotoninérgica. Dos sete tipos de receptores da serotonina, os subtipos 5-HT1, 5-HT2 e 5-HT3 são aqueles mais implicados na cadeia de eventos relacionados à crise de migrânea. Sugere-se que os diferentes subtipos de receptores 5-HT possuem efeitos distintos na doença. Alguns poderiam estar envolvidos no desencadeamento dos episódios sintomáticos (por exemplo, 5-HT1C), enquanto outros podem preveni-los (por exemplo, 5-HT1D). Alguns autores advogam que o efeito vasoconstritor da serotonina também poderia repercutir na cadeia fisiopatológica da migrânea.
Há séculos atrás, as parteiras já utilizavam esporão-de-centeio para mitigar sangramentos uterinos pós-parto e, em 1918, a ergotamina foi isolada pela primeira vez por Arthur Stoll. Protótipo dos alcaloides do ergot, a ergotamina e seus derivados passaram a ser muito utilizados, em especial na Medicina Obstétrica. Na década de 1940, estudos sobre o centeio levaram à descoberta da serotonina, uma molécula com notável efeito vasotônico. Desde então, foi iniciada uma jornada em busca de uma substância que imitasse os efeitos dos alcaloides do ergot sem seus efeitos adversos. Na última década do século passado, o início da comercialização dos triptanos (p. ex, sumatriptano, naratriptano) trouxe a expectativa de um tratamento eficaz e mais seguro para as crises de migrânea. Os triptanos são agonistas da serotonina e se ligam fortemente a três subtipos de receptores: 5-HT1B, 5-HT1D e 5-HT1F. A atuação sobre 5-HT1D inibe a liberação de neuropeptídeos pelos aferentes trigeminais perivasculares. Por outro lado, sua alta afinidade sobre o receptor 5-HT1B, densamente encontrado no músculo liso dos vasos sanguíneos cerebrais, parece ser a principal responsável pelo efeito vasoconstritor desse grupo de substâncias. Contudo, é também esse mesmo efeito vasotônico que as tornam contraindicadas para populações de risco cardiovascular e/ou cerebrovascular. De modo geral, são consideradas medicações eficazes, porém de segunda linha para as crises agudas de migrânea de moderada a alta intensidade. Seu uso deve ser ponderado aos eventuais efeitos adversos vasculares.
Mais recentemente, foi desenvolvida uma nova classe farmacológica para o tratamento agudo da migrânea, os ditans, cujo principal princípio estudado é o lasmiditan. São compostos agonistas serotoninérgicos seletivos para 5-HT1F, subtipo de receptor extensamente distribuído pelo sistema nervoso central, porém com limitado efeito vasoconstritor e com esparsa presença nas coronárias. Sua ativação hiperpolariza as terminações nervosas trigeminais, levando à contenção do evento considerado central na fisiopatologia da migrânea: a ativação trigeminovascular. Pelo efeito restrito sobre 5-HT1B, parecem promissores como alternativas mais direcionadas e seguras aos triptanos.
O CGRP é um peptídeo de 37 aminoácidos descoberto em 1982. Sua relação com a migrânea foi progressivamente desvendada, de modo que se tornou alvo potencial de novas terapêuticas para a doença. O peptídeo se mostrou importante na patogênese da migrânea por seu papel na modulação da transmissão nociceptiva no sistema trigeminovascular. Acredita-se que esse neuropeptídeo atue nas terminações trigeminais amplificando o processo inflamatório local, além de apresentar efeitos vasodilatadores que também podem incorrer em crises da doença. Ressalta-se que, tal qual a serotonina, o CGRP também é expresso no sistema vestibular e pode estar igualmente implicado na gênese da migrânea vestibular.
Os primeiros bloqueadores do receptor do CGRP, chamados gepants, demonstraram excelentes resultados no controle da crise, porém com riscos de lesão hepática. Avanços posteriores culminaram na aprovação de fármacos da classe para uso preventivo, o atogepant, e para o abortamento dos episódios sintomáticos, o rimegepant e o ubrogepant. O rimegepant, entretanto, tem se mostrado promissor também em seu uso profilático. Com isso, tais medicações podem futuramente tornar as fronteiras entre tratamentos de crise e profiláticos mais imprecisas. Atualmente, considera-se o uso abortivo dos gepants uma opção em pacientes com resposta insuficiente ou contraindicação aos triptanos.
Anticorpos monoclonais (mABs) injetáveis contra o receptor ou a molécula de CGRP também foram desenvolvidos e se mostraram capazes de prevenir a vasodilatação neurogênica no sistema nervoso central, sem alterar parâmetros fisiológicos cardiovasculares. É interessante notar que seus efeitos ocorrem apesar do fato de não atravessarem a barreira hematoencefálica. O erenumabe é o principal integrante dos mAbs direcionados ao receptor do CGRP. É usado mensalmente como injeção subcutânea e apresenta risco potencial de hipertensão arterial sistêmica. Foi descontinuado no Brasil por razões comerciais. O fremanezumabe e o galcanezumabe são mAbs direcionados ao CGRP de uso subcutâneo. Enquanto o fremanezumabe pode ser usado a cada três meses, o galcanezumabe deve ser usado mensalmente. O eptinezumabe é um mAbs também direcionado ao CGRP, mas de uso intravenoso trimestral. Foi demonstrada sua eficácia tanto em profilaxia quanto como medicação abortiva, porém não se encontra disponível em nosso país. Embora apresentem efeito moderado de resposta e ainda haja uma fração considerável de pacientes refratários, os mAbs se revelaram uma opção interessante para pacientes sem resposta com outras classes de medicação profilática. Teoricamente, ainda devem ser evitados naqueles com eventos isquêmicos recentes devido aos efeitos cardioprotetores e vasodilatadores do CGRP. Em comparação às outras classes, no entanto, aparentam ter baixa taxa de eventos adversos, baixo risco e comodidade posológica que pode facilitar a adesão terapêutica. Seu uso combinado a outras terapias foi pouco explorado até o momento. A FIGURA 1 ilustra esquematicamente os alvos moleculares de novas terapêuticas para migrânea que exploram a participação do CGRP e da serotonina em sua fisiopatologia.
Figura 1: Alvos celulares e moleculares dos fármacos para migrânea que atuam nas vias fisiopatológicas envolvendo a serotonina e o CGRP.
Linhas de pesquisa ainda mais incipientes têm evoluído com a promessa de trazer novas alternativas farmacológicas ao controle da migrânea. Entre elas, pode-se citar o bloqueio da via do PACAP-38 (peptídeo ativador da adenilato ciclase pituitária). Trata-se de um neuropeptídeo que, à semelhança do CGRP, é liberado em crises migranosas e cujo receptor, denominado PAC1, é largamente encontrado no sistema trigeminovascular. Acredita-se que o PACAP-38 é capaz de modular a nocicepção em diferentes níveis do sistema nervoso central. O antagonismo do PAC1, por sua vez, reduz a sensibilidade à dor e parece ser um bom alvo terapêutico na migrânea. Nesse sentido, mAbs direcionados ao PAC1 têm sido desenvolvidos e novos estudos podem reforçar futuramente o arsenal terapêutico da migrânea.
Independentemente do olhar esperançoso para o futuro e as novas medidas farmacológicas em desenvolvimento, é essencial que o paciente com migrânea continue a ser avaliado e abordado de maneira abrangente, empática e personalizada. Como seu processo fisiopatológico é complexo e dinâmico, dificilmente haverá um fármaco único e milagroso para todos os pacientes. Dessa maneira, na mesma medida em que os médicos devem estar atentos às novidades, evidências científicas prévias merecem ser revisitadas. As possibilidades terapêuticas não-farmacológicas precisam ser sempre ponderadas e, idealmente, o manejo integral do indivíduo acometido deve continuar a embasar qualquer plano de tratamento proposto.
Referências
Dr. Marcelo Henrique de Oliveira
Introdução
Considerada uma emergência otorrinolaringológica, a perda auditiva neurossensorial súbita (PANSS) requer um diagnóstico e abordagem imediatos. Caracteriza-se por um quadro de início abrupto de perda auditiva superior a 30db em pelo menos três frequências audiométricas consecutivas em um período de 72 horas.1
Embora, algumas vezes, possamos identificar os fatores etiológicos que levam a PANSS, 90% dos casos são de natureza idiopática 2. Dentre as etiologias primarias de PANSS, deve-se considerar como fator causador da patologia uma das três possibilidades a seguir: infecção viral, insuficiência vascular e distúrbios autoimunes. Como causas secundárias, pode citar as neoplasias, AVC, irradiação dentre outros.3
É comprovada a existência de uma forte associação entre uma infeção viral (por exemplo arenavírus, adenovírus) e PANSS. A explicação para tal é baseada em algumas hipóteses, como o acesso viral direto ao labirinto e nervo coclear, reativação viral no gânglio espiral e a imunorregulação por parte do hospedeiro. 4
Com o advento do SARS- COV-2 em Wuhan (China), em dezembro de 2019, o mundo viu-se diante de uma pandemia com consequências que reverberam até os dias atuais. Seus sintomas mais comuns incluíam tosse (68%), febre alta (88%) vômito (5%) e diarreia (3.7%), embora a cefaleia, mialgia, náusea e anosmia também fossem relatados.5
No âmbito da otorrinolaringologia, suas manifestações abrangem anormalidades de olfato e paladar, disfonia, dor de garganta, obstrução nasal dentre outros. Há forte associação entre os sintomas apresentados e as repercussões dos danos causados pela inflamação viral local, disfunção tubária e invasão neural direta6. Contudo, observou-se que alguns indivíduos infectados evoluíam com PANSS. Várias hipóteses que tentam esclarecer essa associação têm sido levantadas ao longo dos anos. Hoje, sabemos que o SARS-CoV-2 utiliza, como receptor de entrada na célula, a enzima conversora de angiotensina tipo 2 (ECA-2), uma molécula expressa em abundância na superfície das células do endotélio, dos rins, pulmões, cérebro, medula oblonga e lobo temporal. Além disso, sua ação seria responsável pela liberação de citocinas e culminaria em hipóxia, provocando lesões no aparelho auditivo. 7
Outro fator relevante é a coagulopatia causada pelo SARS-CoV-2, a formação de microtrombos e microhemorragias, como consequência de uma superprodução de citocinas inflamatórias. Casos de microhemorragias intralabirínticas são responsabilizados como explicação etiológica para a PANSS, na vigência de infecção pelo SARS-CoV-2.8
RELATO DE CASO
Paciente CCAP, sexo feminino, 34 anos, referiu infecção de vias aéreas superiores (IVAS) com sintomatologia exuberante em julho de 2023, posteriormente diagnóstica com COVID-19. Relata como sintomas mais proeminentes, o mal-estar generalizado, adinamia e febre aferida. Apresentou melhora gradual ao longo dos dias, porém, evoluiu com sensação de plenitude aural em ouvido direito e vertigem.
Dirigiu-se ao setor de emergência de uma unidade privada de atendimento especializado, para uma avaliação com otorrinolaringologista. Após a anamnese, exame clínico e acumetria, foi diagnosticada perda auditiva neurossensorial súbita em ouvido direito. Solicitado exame audiométrico (figura1).
Figura 1: audiometria de entrada mostrando rebaixamento tonal moderado em orelha direita ao redor de 55 db.
O exame de Ressonância Nuclear Magnética de Crânio realizado na mesma semana não encontrou anormalidades. Foi prescrito tratamento por 10 dias com prednisolona , pentoxifilina e aciclovir. Durante o tratamento, paciente referiu melhora parcial da audição em ouvido direito. Solicitada nova audiometria após 10 dias (figura 2).
Figura 2: audiometria após os 10 dias de corticoterapia mostrando rebaixamento severo do limiar tonal em orelha direita ao redor de 75 dB.
Após dez dias da última audiometria, apresentou novo quadro de vertigem associado a sintomas neurovegetativos, de maior intensidade que o primeiro episódio. Evoluiu com piora da hipoacusia a direita, sendo então aplicada injeção intratimpânica com corticoide, sem benefício para a audição após o procedimento, vide audiometria realizada vinte dias após o procedimento (figura 3[rb1] ).
Figura 3: audiometria após 60 dias do evento agudo mostrando anacusia em orelha direita.
Após o procedimento houve melhora dos sintomas nauseosos, mas persistência de vertigem de característica mais branda. Ao exame físico foi possível observar presença de nistagmo espontâneo com componente rápido em direção a orelha esquerda e Head Impulse Test com presença de sacadas corretivas. Para melhor investigação diagnóstico, solicitou-se Video Head Impulse Test (vHIT), RNM e Eletronistagmografia com prova calórica.
A Eletronistagmografia evidenciou ausência de nistagmo espontâneo e semi-espontâneo, ausência de nistagmos posicionais e rastreio pendular tipo 1. O teste optocinético encontrava-se simétrico bilateralmente. Dix Hallpike negativo. Prova pré-calórica sem alterações com EIFO presente. Predomínio labiríntico (PL) de 77% para a esquerda (para um normal até 19%) e preponderância direcional (PD) de 2% para a direita.
Realizado vHIT e SHIMP conforme as figuras 4 e 5, respectivamente.
Figura 4: vHIT demonstrando baixo ganho e sacadas descobertas em todos os canais do lado direito.
Figura 5: SHIMP demonstrando comprometimento do RVO do lado direito.
Uma nova Ressonância Magnética (RNM) de Crânio foi realizada após dois meses do evento agudo. Na nova imagem, nota-se impregnação pelo contraste paramagnético na topografia da cóclea a direita em sequências convencionais. No estudo de sequência volumétrica tardia, para estudo de hidropisia endolinfática, é observado o comprometimento da cóclea, vestíbulo direito, canais semicirculares, bem como do interior do conduto auditivo interno direito. As estruturas mantêm sinal preservado nas ponderações T2. A hipótese proposta é de processo inflamatório local e interrogada uma neurite vestibular com labirintite associada (figura 6),
Figura 6: RM em corte axial demonstrando o realce em estruturas do labirinto e VIII par à direita.
DISCUSSÃO
A história clínica de um quadro infeccioso associado à redução da acuidade auditiva sugere a relação entre ambos. Há relatos na literatura de vírus, como citomegalovírus, influenza, paramyxovirus e coronavírus, que atuam como agentes etiológicos na surdez súbita. Neste caso, diante dos sintomas gripais e diagnóstico de COVID-19, o coronavírus pode ser suspeitado como agente responsável pela redução da audição.
O coronavírus circula sistemicamente no hospedeiro e pode afetar diversos órgãos-alvos; dentre eles a cóclea, labirinto posterior e o VIII par craniano. Esse processo infeccioso pode ser atribuído à replicação do vírus no interior das estruturas labirínticas, com consequentes danos irreversíveis ao seu funcionamento. Supõe-se que uma cascata inflamatória exacerbada quebre a barreira hemato-labiríntica, promove a contaminação do SARS-COV-2 e o surgimento de manifestações virais intralabirínticas. A RNM é o exame de imagem de escolha para avaliação da estrutura cócleo-vestibular. A inflamação da cóclea e do vestíbulo pode ser detectada pelo aumento da intensidade de sinal em T2. Quando o VIII par é afetado, haverá, ainda, aumento de sinal em T2. Nas imagens de cortes axiais da RNM desta paciente, é possível observar o aumento de intensidade de sinal em T2 da cóclea, do vestíbulo e do VIII par em sua porção mais distal. As imagens corroboram com a hipótese de labirintite acompanhada de neurite vestibular de etiologia infecciosa. É interessante notar que, a primeira ressonância, realizada na semana da surdez não apresentou alterações. No entanto, após 60 dias, a imagem de comprometimento do órgão periférico é evidente. Essas alterações surgiram simultaneamente à piora do quadro auditivo. Essas observações nos levam a inferir que a lesão pelo SARS-COV-2 foi insidiosa e progressiva.
A relação entre perda auditiva e COVID-19 é relatada em literatura, mas poucos artigos trazem exames de imagem como o descrito acima. Há relatos de infecção por COVID-19, perda auditiva e imagem normal; ou identificação de labirintite infecciosa sem neurite; ou ainda, achados inequívocos de labirintite ossificante. Até o presente momento, este parece ser o primeiro caso que relacione COVID-19 e neurite vestibular com labirintite. Apesar da ausência de exames de RNM com este mesmo padrão, não é possível excluir a possibilidade do coronavírus lesar tanto o sistema cócleo-vestibular como o VIII par.
Além da lesão direta, há outras maneiras do coronavírus lesar o sistema auditivo e vestibular, tais como tromboembolismo e a interação do complexo antígeno-anticorpo. É sabido que COVID-19 gera a formação de trombose e êmbolos, detectados pelo aumento de D-dímero no sangue. Em um contexto de complicação tromboembólica, haverá redução da perfusão da cóclea e do vestíbulo com consequente acidose local, insuficiência energética e morte celular. Outra possibilidade etiológica é a presença de complexos antígeno-anticorpo provocarem inflamação local, ativação da cascata imune e dano celular irreversíveis. As possibilidades fisiopatológicas são variadas e não é possível descartar esses mecanismos como possíveis causas da perda da função auditiva e vestibular neste caso.
Pela história relatada e pelos exames de imagem, é possível afastar etiologias como trauma acústico, trauma cranioencefálico, concussão labiríntica, Doença de Ménière e otoesclerose.
O exame clínico é fundamental para avaliar o status funcional do sistema vestibular, a despeito das imagens observadas. Diante de um paciente com vertigem e achados ao exame físico como nistagmo espontâneo e sacadas corretivas no Head Impulse Test, é importante utilizar a propedêutica armada para avaliar a função vestibular. Neste caso, foi solicitada a oculografia com prova calórica e vídeo Head Impulse Test.
A prova calórica avalia a função labiríntica por meio da irrigação do canal semicircular lateral e fornece informações sobre cada labirinto isoladamente. A irrigação calórica estimula o labirinto em baixas frequências (0,001Hz a 0,01Hz). Neste caso observamos predomínio labiríntico de 77% para o lado esquerdo em decorrência da redução da função labiríntica do lado direito. Portanto, a prova calórica confirma os achados clínicos e de anamnese, e justificam a presença de nistagmo espontâneo para esquerda.
Por outro lado, o vHIT compreende uma avaliação simultânea de ambos os labirintos, em frequência que varia de 1-10Hz. Neste caso, há redução do ganho do RVO nos canais semicirculares anterior, lateral e posterior do lado direito, acompanhada de sacadas descobertas do lado afetado. O exame físico identifica a presença de sacadas corretivas à realização do Head Impulse Test clínico. Sendo assim, o vHIT também corrobora com o exame físico. Some-se à essa descrição, o resultado do Supression Head Impulse Test (SHIMP), em que é observada a ausência de sacadas corretivas do lado direito, sugerindo a redução do ganho do RVO e a presença dos “olhos de boneca”.
Figura 7: Gráfico demonstrando as diversas frequências de estimulação dos testes vestibulares.
Para finalizar, o início da corticoterapia tem se demonstrado eficaz quanto mais cedo é iniciada. Os glicocorticoides foram os medicamentos terapêuticos mais utilizados para PANS relacionada à COVID-19 em uma metanálise de Meng et al. Os autores propõem sua administração por via oral, intravenosa ou e/ou por via intratimpânica. Uma outra opção seria a oxigenoterapia hiperbárica. Neste caso, foi utilizada a prednisolona, pentoxifilina e aciclovir 400mg. É um protocolo padrão, que pretende reduzir o processo inflamatório, melhorar o fluxo sanguíneo terminal, além de terapia antiviral.
CONCLUSÃO
Ao longo desses três anos de pandemia, muito se descobriu a respeito do SARS-COV-2 e suas repercussões otorrinolaringológicas. Atualmente sua causalidade com a surdez súbita já está comprovada. A surdez súbita requer diagnóstico preciso e intervenção precoce pois, a partir daí, iniciamos uma corrida contra o tempo para tentar restabelecer da melhor forma a integridade do sistema auditivo do paciente. Infelizmente, nem sempre é possível reverter o processo.
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[rb1]Descreva aqui a dose, forma e tipo de aplicação, número e possíveis problemas da IT
Lucas Resende L Mangia
Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Com os avanços da Medicina nas últimas décadas, uma mudança significativa no perfil epidemiológico das doenças foi observada. Em relação às causas de mortalidade, por exemplo, houve uma transição marcante para doenças cardiovasculares e neoplásicas. O olhar da comunidade médica e científica voltou-se para o manejo de condições crônicas, como a obesidade, o diabetes mellitus e a hipertensão arterial sistêmica. Essas condições, por sua vez, caracterizam-se por fisiopatologia mais complexa, largamente multifatorial e intrinsecamente relacionada ao estilo de vida. Da necessidade de debelar moléstias infecciosas, tornou-se então fundamental o cuidado longitudinal em saúde, visando ao controle dessas doenças crônicas.
Nesse mesmo sentido, as modificações do perfil e estilo de vida das populações, em especial ocidentais, trouxe profundas alterações nas morbidades intercorrentes durante a vida dos indivíduos. Também aqui tornaram-se proporcionalmente menos frequentes as doenças infecciosas, com aumento da prevalência de condições crônicas de ordem alérgica, inflamatória, funcional e degenerativa, por exemplo. Tais moléstias, por sua vez, se destacam pelo evidente impacto em qualidade de vida e funcionalidade do paciente acometido. Não por menos, se tornaram as campeãs dos atendimentos em ambulatórios das mais diversas especialidades.
Similarmente, tem-se observado um notável crescimento na manifestação e agravamento de casos de migrânea e seus equivalentes. Aqui, vale reforçar o conceito de migrânea como uma entidade clínica com espectro amplo de manifestações, de fisiopatologia bastante complexa e que pode, ao longo da vida, apresentar-se de maneiras bem distintas. Ou seja, não deve ser compreendida como um distúrbio restrito às cefaleias – manifestações mais conhecidas, mas incluir gama de sintomas variados que refletem um transtorno da modulação sensorial e sensibilização central. Na Otorrinolaringologia – sobretudo na Otoneurologia, a fração de casos de vestibulopatia recorrente causados pela migrânea (migrânea vestibular) ou de alguma forma impactados por migrânea coexistente (por exemplo, doença de Ménière com migrânea, migrânea como complicador de deiscência de canal semicircular superior) elevou-se consideravelmente. É inegável supor que seja um reflexo do estilo de vida contemporâneo, marcado pelos pronunciados prejuízo do sono e dos momentos de lazer, pelo consumo desmedido de alimentos processados, pela redução da mobilidade diária mínima, pelo uso desenfreado de equipamentos eletrônicos, pela agitação e excesso de estímulos da vida urbana e pelas elevadas cobranças sociais e profissionais contemporâneas.
É fundamental que o médico Otorrinolaringologista e Otoneurologista esteja atualizado quanto ao manejo da migrânea. E os últimos anos trouxeram uma série de novidades nesse sentido. Aqui, salienta-se que tais avanços tem origem em estudos de pacientes com dor de cabeça migranosa, de modo que sua transposição para outros acometimentos relacionados à migrânea ainda são embasados pelo compartilhamento natural de princípios fisiopatológicos – e não por investigações científicas direcionadas. Com o maior reconhecimento do espectro da migrânea, contudo, espera-se que os próximos anos possibilitem recomendações mais específicas para casos, por exemplo, de migrânea vestibular.
Aqui, cumpre sublinhar os princípios da abordagem do paciente migranoso (Tabela 1). Primeiramente, esse indivíduo precisa ser reconhecido e diagnosticado. Por apresentar manifestações muito diversas e ser muito comum, a migrânea faz diagnóstico diferencial e é condição concorrente em variados cenários clínicos. Apenas o atendimento médico pormenorizado permite que o quadro seja suspeitado e levado em consideração. Aqui, a atualização contínua dos profissionais que lidam com esse tipo de caso é indispensável. Uma vez diagnosticada, é salutar orientar o paciente sobre o quadro e colocá-lo no centro do seu cuidado. Isso significa explicar bases e mecanismos das alterações encontradas, identificar conjuntamente potenciais fatores impactantes, controlar expectativas, retirar dúvidas e situar o paciente como principal responsável pela sua melhora clínica.
Fundamentos do manejo de pacientes com migrânea e seus equivalentes |
Suspeita, reconhecimento e diagnóstico corretos e oportunos |
Educação, orientação e aconselhamento do paciente sobre seu quadro |
Tratamento eficaz e tempestivo das crises sintomáticas |
Recomendações preventivas individualizadas e consideração de profilaxia medicamentosa, se necessário |
Reavaliação periódica da adesão terapêutica e dos resultados |
Avaliação e tratamento de complicações |
Identificação e manejo de comorbidades relacionadas |
Seguimento de longo prazo visando a manutenção da estabilidade clinica |
Tabela 1: Princípios do tratamento longitudinal da migrânea e seus equivalentes.
Por ser uma doença crônico-episódica, é vital que o paciente saiba lidar com as crises de migrânea. Essas agudizações podem apresentar-se de maneira variada de um paciente para outro e em um mesmo indivíduo. De qualquer maneira, trata-se de eventos que podem ocorrer – embora devam ser prevenidos com as medidas cabíveis. Saber lidar com esses episódios diminui a ansiedade, alivia desconfortos e contribui significativamente para reduzir o fardo da doença e a percepção geral do paciente sobre o problema. Nesse momento, o abortamento da crise envolve, em suma, controle dos sintomas existentes (Tabela 2). Queixas de dor devem ser abordadas com o uso de medicações que tragam resposta com a menor carga de efeitos adversos. Assim, o uso de analgésicos comuns, anti-inflamatórios como o naproxeno ou medicações de classes específicas, como os derivados do ergot (ex: diidroergotamina) ou os triptanos, podem ser utilizados. A resposta comumente é idiossincrática e é preciso que o paciente conheça o medicamento a que se adapta melhor, contrabalanceando resultados, riscos e efeitos colaterais. É fundamental que o uso seja parcimonioso e jamais preventivo, para evitar a cefaleia por abuso de analgésicos, um complicador do quadro.
Principais classes de medicações para tratamento das crises de migrânea |
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Sintoma-alvo |
Classe medicamentosa |
Dor |
Analgésicos comuns |
Anti-inflamatórios não-esteroidais |
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Alcaloides derivados do ergot |
|
Triptanos |
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Anti-inflamatórios corticoesteroides |
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Novos grupos: ditans, gepants |
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Náuseas e vômitos |
Antagonistas da serotonina (5-HT3) |
Antagonistas dopaminérgicos de ação central |
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Anti-histamínicos |
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Anti-colinérgicos |
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Tontura e vertigem |
Bloqueadores de canais de cálcio |
Anti-histamínicos |
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Benzodiazepínicos |
Tabela 2: Principais classes medicamentosas utilizadas para tratamento dos sintomas na crise migranosa. Fonte: o Autor.
Tanto os derivados do ergot como os triptanos atuam sobre receptores serotoninérgicos e não devem ser usados em conjunto. Os triptanos, com ação agonista um pouco mais seletiva sobre os receptores 5-HT1B e 5-HT1D, costumam ser mais toleráveis. Contudo, ressalta-se que ambas as classes de medicações apresentam efeito vasoconstritor. Por isso, são contraindicadas na hipertensão arterial não controlada, na doença cardíaca isquêmica, na doença cerebrovascular e nas insuficiências vasculares periféricas arteriais ou venosas. Do mesmo modo, anti-inflamatórios não esteroidais são contraindicados na úlcera péptica e devem ser evitados nas insuficiências cardíaca, renal ou hepática e na hipertensão arterial mal controlada.
A migrânea, seja em sua manifestação clássica de dor de cabeça ou, quando se apresenta primariamente com queixa vestibular, com frequência desencadeia sintomas de mal-estar, enjoo e vômitos. Essa sintomatologia aumenta de maneira significativa o desconforto do paciente em crise e, por isso, deve ser manejada com eficiência. Várias são as classes de substâncias com poder antiemético. Dentre elas, na abordagem dos sintomas concorrentes à cefaleia e/ou à manifestação vestibular, as mais usadas são os antagonistas da serotonina 5-HT3 (ondansetrona), os antagonistas dos receptores dopaminérgicos de ação central (metoclopramida, prometazina, domperidona), os anti-histamínicos (dimenidrato, meclizina e prometazina) e os anticolinérgicos (escopolamina, dimenidrato). Do mesmo modo, seu perfil de efeitos colaterais e contraindicações deve ser a base da escolha para uso em determinado paciente, e sempre pelo menor tempo e dose possíveis.
Com relação aos sintomas vestibulares em pacientes migranosos, ressalta-se – antes de tudo, que se trata de situação frequentemente incapacitante e, por isso, deve ser encarada de modo assertivo e criterioso. Por advir, em linhas gerais, de um desequilíbrio das aferências e eferências vestibulares em seus mais distintos níveis, são tratados na fase crítica com a supressão conscienciosa da atividade vestibular. Aqui, torna-se imprescindível a titulação da medicação caso a caso, prevenindo-se doses excessivas que provoquem desnecessária sedação ou prejudiquem demasiadamente a função vestibular basal – com resultado contraproducente. As principais classes de medicações utilizadas são os bloqueadores de canais de cálcio (flunarizina, cinarizina), os anti-histamínicos e os benzodiazepínicos (alprazolam, clonazepam). O uso prolongado em altas dosagens deve ser evitado sob o risco de efeitos adversos indesejáveis como aumento do risco de quedas, sedação, ganho de peso, sintomas extrapiramidais, alteração do metabolismo de carboidratos e lipídeos e depressão.
O tratamento crônico deve ser considerado em todos os pacientes. Isso porque medidas não-farmacológicas gerais são universalmente válidas e apresentam baixos riscos. Deve-se priorizar instruir o paciente a uma vida com hábitos saudáveis, incluindo higiene do sono, prática de atividade física, alimentação balanceada e manejo do estresse. Condutas proibitivas ortodoxas devem ser ponderadas criteriosamente, de modo a não incorrer em privações e ansiedades desnecessárias. Assim, de maneira secundária, o paciente deve ser orientado a perceber seus fatores particulares pontuais de piora e apenas privar-se daqueles cuja retirada tenha se mostrado notadamente benéfica.
Já o uso de medicações preventivas como parte desse tratamento será importante apenas em uma fração dos indivíduos. De modo geral, seu uso está indicado naqueles com crises frequentes e/ou incapacitantes. Aqui, há várias classes de medicações disponíveis, com mecanismos de ação, contraindicações e efeitos colaterais muito particulares (Tabela 3). Entre elas, podemos citar anti-hipertensivos (propranolol, candesartana), anticonvulsivantes (topiramato, ácido valpróico), bloqueadores de canais de cálcio (flunarizina, verapamil), tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina), inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina (venlafaxina) e antagonistas da serotonina (pizotifeno e ciproheptadina). A miríade de drogas que se mostraram em algum grau eficazes na profilaxia da migrânea é um reflexo da sua complicada fisiopatologia. Isso significa que a atuação em diferentes elos do intrincado mecanismo das manifestações migranosas é capaz de – em pelo menos um subgrupo de pacientes, reduzir sua ocorrência e intensidade. Ainda pouco é sabido sobre as especificidades de cada uma dessas classes medicamentosas quando usadas na migrânea e são desconhecidas populações particulares de pacientes que se beneficiariam mais de uma classe em detrimento de outra. No entanto, devido ao seu uso para tratamento de outras doenças e ao perfil de efeitos colaterais por vezes desejável em alguns casos, em determinado paciente uma classe pode mostrar-se preferencial como primeira escolha de tratamento. Nessa escolha, contudo, é fundamental levarmos em consideração as contraindicações e os efeitos adversos que, quando existentes, costumam ser proibitivos – ainda que a medicação aparentasse ser a mais indicada inicialmente.
Classes de medicamentos utilizadas na profilaxia da migrânea |
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Mecanismo |
Exemplos |
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Anti-hipertensivos |
Beta-bloqueadores |
Propranolol, metoprolol, timolol, atenolol |
Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) |
Lisinopril |
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Antagonistas do receptor de angiotensina II |
Candesartan |
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Bloqueadores de canais de cálcio |
Verapamil |
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Antidepressivos |
Tricíclicos |
Amitriptilina, nortriptilina |
Inibidores da receptação de serotonina e noradrenalina |
Venlafaxina, duloxetina |
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Anticonvulsivantes |
Valproato de sódio, topiramato |
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Bloqueadores de canais de cálcio |
Flunarizina |
|
Antagonistas da serotonina e da histamina |
Pizotifeno, ciproheptadina |
|
Nutracêuticos |
Coenzima Q10, riboflavina, magnésio |
Tabela 3: Principais classes medicamentosas utilizadas na profilaxia da migrânea.
Todas as medicações profiláticas para a migrânea devem ser iniciadas na menor dose possível e tituladas lentamente até que se atinja uma dose terapêutica confortável. Em situações de migrânea vestibular, é bastante comum observar-se uma resposta favorável com baixas doses. Na ausência de resposta com doses terapêuticas ou diante da ocorrência de efeitos adversos impeditivos ou persistentes, é possível a troca da medicação por outra de classe diferente. Devido à diversidade de mecanismos de ação dos fármacos, essa substituição não enseja necessariamente mau prognóstico com o novo plano terapêutico. Na presença de resposta eficaz, o tratamento deve ser mantido por período individualizado. Não há período mínimo bem estabelecido para o uso da profilaxia, mas acredita-se que, após cerca de 12 meses de uso, pode ser tentada a redução seguida de interrupção da medicação. No caso de recaídas, a retomada progressiva do uso anterior faz-se necessária e não implica em prejuízo da resposta em longo prazo.
Consoante ao seguimento de uma doença crônica, os distúrbios relacionados à migrânea devem ser periodicamente reavaliados. Nesse acompanhamento, o médico deve observar a evolução da frequência e magnitude das crises, a resposta individualizada para cada manifestação migranosa apresentada, o surgimento de intercorrências que justifiquem refratariedades e a adaptação e adesão ao tratamento crônico. Ferramentas objetivas como o DHI (Dizziness Handicap Inventory) e o VM-PATHI (Vestibular Migraine Patient Assessment Tool and Handicap Inventory) podem ser utilizadas como maneira de parametrizar a evolução longitudinal de cada caso. É salutar que sejam pesquisadas e controladas as expectativas do paciente, evitando-se promessas de cura. Estabelecer objetivos reais de redução do número e intensidade dos episódios, introjetar os conceitos mais factíveis de controle e remissão da doença, promover o autoconhecimento e reforçar o papel do paciente na manutenção de hábitos que favoreçam a resposta terapêutica são fundamentos desse seguimento.
Outro ponto importante do tratamento de pacientes migranosos é identificar e manejar de modo eficaz e oportuno eventuais complicações relacionadas ao quadro. Classicamente, em relação às cefaleias, são bem descritas a dor de cabeça por abuso de medicações e a migrânea crônica. No caso da migrânea vestibular, é essencial atentar-se sobretudo para o surgimento para tontura postural perceptual persistente (TPPP) associada e a ocorrência de vertigem posicional paroxística benigna intercorrente.
Por fim, o controle de comorbidades diretamente envolvidas na piora da sintomatologia do paciente migranoso é outro ponto crucial. Aqui, ressaltam-se as alterações hormonais, os distúrbios do sono, as síndromes dolorosas crônicas, os distúrbios metabólicos e os transtornos do humor. Para as manifestações vestibulares, em específico, é preciso cuidar de doenças concomitantes, como a doença de Ménière e a cinetose.
Em suma, pode-se dizer que o cuidado ao paciente com migrânea deve ser amplo, meticuloso e de longo prazo. Ainda, a visão biopsicossocial do processo de saúde-doença, a individualização dos planos terapêuticos e o foco do acompanhamento no indivíduo em detrimento de alterações pontuais em sistemas isolados tendem a enriquecer e melhorar a assistência médica ofertada. Estar atento às novidades diagnósticas e de tratamento é uma atitude necessária, entretanto, as novas tecnologias não podem jamais sobrepujar os princípios do atendimento médico completo, humano e bem executado.
Referências:
No dia 06 de dezembro de 2023 houve a Conferência Magna de Encerramento do Ano Letivo da Disciplina de Otorrinolaringologia do HCFMUSP. Neste dia houve a entrega dos diplomas dos Fellows de Otoneurologia 2023: Sarah Vida, Rafael Régis e Ana Letícia.
Foram 2 anos de muito aprendizado e aprimoramento técnico na Otoneurologia. Parabéns aos formandos e sucesso no futuro de vocês.
Nos dias 30/11 a 02/12/2023 ocorreu o 53 Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia na cidade de Salvador-BA. Foram dias de muito aprendizado, discussão e aprimoramento dos conhecimentos da Otoneurologia. Nossa equipe participou ativamente do evento, em palestras, mesas e nas discussões nos intervalos.
Vários membros e colaboradores da Otoneurologia do HC-FMUSP palestraram e participaram de debates e mesas-redondas, com salas sempre cheias, com grande presença de público.
Como convidado internacional tivemos a grande honra de receber o Professor José Antonio Lopez-Escamez. Dr. Escamez é professor da Universidade de Sydney, onde coordena um centro de pesquisa em Doença de Meniere. Sua linha de pesquisa concentra-se no entendimento dos mecanismos moleculares da doença de Ménière e do zumbido.
O Congresso possibilitou bastante aprendizado e o sempre agradável reencontro com antigos amigos!